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“A Veja deve explicações ao país”

A CPI realizada pelo Congresso Nacional que tenta investigar a influência do bicheiro Carlinhos Cachoeira sobre o poder público acabou suscitando um debate tão inesperado quanto necessário no país: a relação da mídia com as esferas de poder, sejam elas políticas ou econômicas.

A Polícia Federal identificou cerca de 200 conversas telefônicas entre o diretor da sucursal da revista Veja em Brasília, Policarpo Júnior, e o contraventor. A divulgação dessas escutas mostra que Cachoeira pautava a publicação da editora Abril, que se deixava levar pelos interesses políticos de um empresário fortemente ligado ao senador Demóstenes Torres (ex-DEM).

Diante desse cenário, alguns parlamentares têm defendido a convocação de Policarpo para depor na CPI, mesmo que o relator Odair Cunha (PT-MG) já tenha rejeitado pedido de informações a respeito. Para o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Schröder, a revista precisa explicar o que guiou sua prática jornalística nesse episódio. “A Veja tem que dar explicações ao Brasil. É preciso explicar como ela exerce a atividade jornalística com essas veleidades, com descompromisso e irresponsabilidade em relação a princípios éticos e técnicos consagrados pelo jornalismo”, entende.

Nesta entrevista ao Sul21, Schröder avalia a conduta da revista nesse e em outros episódios e defende a necessidade de um marco regulatório para a comunicação no país.

Sul21 – O que a CPI do Cachoeira pode nos dizer sobre a mídia brasileira?
Celso Schröder –
A CPI está nos mostrando que a mídia é uma instituição como qualquer outra e precisa estar submetida a princípios públicos, na medida em que a matéria-prima do seu trabalho é pública: a informação. Quanto menos pública essa instituição for e mais submetida aos interesses privados dos seus gestores ela estiver, mais comprometida ficará a natureza do jornalismo. Como qualquer instituição, a mídia não está acima do bem e do mal, dos preceitos republicanos do Estado de Direito e do interesse público. Do ponto de vista político, a Veja confundiu o público com o privado. Do ponto de vista jornalístico, comete um pecado inaceitável: estabelecer uma relação promíscua entre o jornalista e a fonte. Não é só um repórter, mas é a organização, a chefia da empresa, que conduz e encaminha uma atividade tecnicamente reprovável e eticamente inaceitável. Todo jornalista sabe, desde o primeiro semestre da faculdade, que a fonte é um elemento constituidor da notícia na medida em que ela for tratada como fonte. A fonte tem interesses e, para que eles não contaminem a natureza da informação, precisam ser filtrados pelo mediador, que é o jornalista. A fonte, ao mesmo tempo em que dá credibilidade e constitui elemento de pluralidade na matéria, por outro lado, se não for mediada e relativizada pelo jornalista, pode contaminar o conteúdo.

Sul21 – Em que pontos a relação entre Policarpo Júnior e Cachoeira extrapolaram uma relação saudável entre repórter e fonte?
Schroder – Ele não tratou o Cachoeira como fonte. O problema é um jornalista ou uma empresa jornalística atribuir a alguém uma dimensão de fonte única, negociando com ela o conteúdo e a dimensão da matéria e, principalmente, conduzindo a Veja para uma atuação de partido político. Esse é um pecado que a Veja vem cometendo há algum tempo. A oposição no Brasil é muito frágil. Por não existir uma oposição forte, a imprensa assume esse papel, o que é uma distorção absoluta. A imprensa não tem que assumir essa função, a sociedade não atribui a ela uma dimensão político-partidária, como a Veja se propõe. A Veja acaba de nos produzir um dos piores momentos do jornalismo. Quando houve o episódio da tentativa de invasão do apartamento do ex-ministro José Dirceu (PT) por um repórter da Veja, eu escrevi um artigo dizendo que, assim como Watergate tinha sido o grande momento do jornalismo no mundo, a atuação da Veja no quarto de Dirceu foi um anti-Watergate. Mal sabia eu que teríamos um momento ainda pior. Não foi a ação individual de um repórter sem capacidade de avaliação. Foi uma ação premeditada e sistêmica de uma empresa de comunicação, de um chefe que conduzia seu repórter para uma ação imoral, tangenciando perigosamente a ilegalidade.

Sul21 – O mesmo pode ser dito para o episódio recente entre Policarpo Júnior e Cachoeira?
Schröder – Neste momento, isso se consolida. É uma revista que coloca em jogo a matéria-prima básica da sua existência: a credibilidade. Parece-me um suicídio, inclusive do ponto de vista de um negócio jornalístico. A não ser que a Veja esteja contando com um outro tipo de financiamento, ou já esteja sendo subsidiada por outro mecanismo que não seja decorrente da credibilidade e da inserção no público. Não temos dados concretos sobre isso, mas tudo leva a crer que, nesse momento, o financiamento da Veja esteja se dando por outro caminho. O comprometimento e o alinhamento inescrupuloso da revista a uma determinada visão de mundo conduz à ideia de que a Veja possa ter aberto mão de ser um veículo de comunicação para ser um instrumento político com financiamento deste campo.

Sul21 – Mas a revista já passou por períodos em que era mais comprometida com o jornalismo. Como ocorreu essa mudança?
Schroder – Não é de agora que a Veja vem dando indícios de que abre mão de um papel de referência jornalística. A Veja foi fundamental para a redemocratização do país, foi referência para jornalistas de várias gerações e teve em sua direção homens como Mino Carta. Depois de um certo tempo, a revista começa a alinhar-se a um determinado grupo social brasileiro. É claro que os editores da revista têm opiniões e cumprem um papel conservador no país. Tudo bem que isso aconteça nas dimensões editoriais. Agora, que se reserve ao jornalismo informativo um espaço de discussão com contrapontos. Princípios elementares do jornalismo foram sendo abandonados e essa revista, que foi importante para a democracia e para o jornalismo, passa a ser um exemplo ruim que precisa ser enfrentado.

Sul21 – Como o senhor vê a possibilidade de Policarpo Júnior ser convocado para depor na CPI?
Schroder – Tenho visto declarações de alguns políticos, como da senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS), que diz que o envolvimento do Policarpo nisso representa um ataque à imprensa. Os jornalistas não estão acima da lei e não podem estar acima dos princípios republicanos. Se ele for convocado pela CPI, tem o direito de não ir. Se ele for, tem o direito de exercer a prerrogativa do sigilo de fonte. Mas a convocação não representa uma ameaça. A Veja tem que dar explicações ao Brasil. É preciso explicar como ela exerce a atividade jornalística com essas veleidades, com descompromisso e irresponsabilidade em relação a princípios éticos e técnicos consagrados pelo jornalismo. Questionar isso é fundamental. Os jornalistas e a academia têm obrigação de fazer esse questionamento.

Sul21 – Nesse sentido, não seria válido também convocar o presidente do Grupo Abril, Roberto Civita?
Schroder – Parece que seria deslocar o problema. Na CPI, a Veja é um dos pontos. O problema é a corrupção entre o Cachoeira e o Parlamento brasileiro. Um depoimento do Civita geraria um debate que desviaria os trabalhos da CPI. Não há dúvida de que a Veja praticou um mau jornalismo e deve prestar contas. A CPI tem gravações de integrantes da revista com o bicheiro. Que eles sejam convocados, então. Não é pouca coisa trazer o chefe da sucursal da Veja em Brasília para depor.

Sul21 – As críticas à Veja costumam ser rebatidas com argumentos que valorizam o trabalho supostamente investigativo feito pela revista, com diversas denúncias de corrupção. Entretanto, as gravações entre Policarpo e Cachoeira revelam como funcionava a engenharia que movia algumas dessas denúncias.
Schroder – Há uma certa sensação de que estamos vivendo um momento de corrupção absoluta no país. E isso está longe de ser verdade. Basta olhar a história e ver que agora temos instituições democráticas funcionando. A imprensa cumpre um papel democrático e fiscalizador importante com a denúncia. O problema é que alguns setores, ao fazerem denúncias, atribuem um papel absoluto à ideia da corrupção. No caso da Veja, o pior de tudo é que a própria revista estava envolvida. Não é só um mau jornalismo sendo praticado. Há indícios perigosos de uma locupletação – que não precisa ser necessariamente financeira. Pode ser uma troca de favores, onde o que a Veja ganhou foi a constituição de argumentos para uma atuação política, não jornalística. Como se fosse o partido político que a oposição não consegue ser. Se a imprensa se propõe a esse tipo de coisa, volta a um patamar de atuação do século XVIII.  Se é para ser assim, que a revista mude de nome e assuma o alinhamento a determinado partido. Agora, ao se apresentar como um espaço informativo, a Veja precisa refletir a complexidade do espaço político brasileiro. Se ela não faz isso, está comprometendo o jornalismo e tangenciando uma possibilidade de ilegalidade que, se houver, precisa ser esclarecida. A Fenaj não vai proteger jornalistas criminosos.

Sul21 – A revelação desse modus-operandi da Veja está gerando uma discussão quase inédita no país: a mídia está debatendo a mídia. A revista Carta Capital tem dedicado diversas capas ao tema e a Record já fez uma reportagem sobre o assunto. É um fenômeno comum em outros países, mas até então não ocorria no Brasil.
Schroder – Nos anos 1980, quando a Fenaj propôs uma linha para a democratização da comunicação, partimos da compreensão de que a democratização do país não havia conseguido chegar à mídia. O sistema midiático brasileiro, ao contrário de todas as outras instituições, não havia sido democratizado. Temos cinco artigos da Constituição nessa área que não estão regulamentados. Durante 30 anos tivemos diversas iniciativas de tentar construir  esse debate. A lógica da regulamentação existe em todos os países do mundo. Mas, no Brasil, isso enfrenta resistências de uma mídia poderosa, que fez os dois primeiros presidentes da República após a democratização. Sarney e Collor são dois políticos que saíram dos quadros da Rede Globo. Na presidência do Congresso tivemos outros afilhados da Rede Globo, como Antonio Carlos Magalhães, que também foi ministro das Comunicações. A mídia não só está concentrada, no sentido de ter monopólios, como está desprovida de qualquer controle público. Está absolutamente entregue à ideia de que a liberdade de expressão é a liberdade de expressão dos donos da mídia. Enquanto que o preceito constitucional diz que a liberdade de expressão é do povo, e o papel da mídia é assegurar isso.

Sul21 – Quanto se conseguiu avançar nesse debate desde então?
Schroder – Estamos há 30 anos pautando esse debate até chegarmos a Confecom (Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro de 2009). A Fenaj consegue constituir a ideia de que esse debate precisa ser público, já que ele é omitido pela mídia, que atribui à essa discussão uma tentativa de censura. A Confecom, no início, teve a anuência das empresas. Eu fui junto com os representantes da RBS e da Globo aos ministros Helio Costa (Comunicações),  Tarso Genro (Justiça) e Luiz Dulci (Secretaria-Geral da Presidência) propor a conferência. As empresas compreendiam que, naquele momento, a telefonia estava chegando e ameaçava um modelo de negócios. Mas, durante a Confecom, a Rede Globo e todos os seus aliados se retiraram, tentando sabotar mais uma vez o debate. O espírito conservador está no DNA da Rede Globo. Ela acostumou-se à ideia de que para o seu negócio não deve existir nenhuma regra. Acostumou-se a impor seus interesses ao país e, portanto, é ontológicamente contra qualquer regra. Naquele momento em que a Globo se retirou da Confecom ficou claro que não é possível contar com esses empresários para qualquer tipo de tentativa de atribuir à comunicação no Brasil uma dimensão pública, humana e nacional, regida por princípios culturais, democráticos e educacionais, não simplesmente pelo lucro fácil e rápido.

Sul21 – O editorial do jornal O Globo defendendo a revista Veja é um indício de que há um corporativismo muito grande entre os donos da mídia tradicional?
Schroder – O princípio que os une é aquele verbalizado pela Sociedade Interamericana de Imprensa: Lei melhor é lei nenhuma. As empresas alinhadas à ideia de que não podem estar submetidas à lei protegem-se. Abrigadas no manto de uma liberdade de expressão apropriada por elas, protegem seus interesses e seus negócios, atuando de uma maneira corporativa e antipública.  O jornalismo é fruto de uma atividade profissional, não é fruto de um negócio. Jornalismo não é venda de anúncios. Jornalismo é, essencialmente, o resultado do trabalho dos jornalistas. Portanto, a obrigação dos jornalistas é denunciar sempre que o jornalismo for maculado, como ocorreu com a Veja. Seria, também, uma obrigação das empresas jornalísticas, na medida em que elas não estejam envolvidas com esse tipo de prática. Ao tornarem-se cúmplice e acobertarem esse tipo de prática, as empresas aliam-se a elas. Essas empresas disputam o mercado, mas protegem-se no que consideram essencial, no sentido de inviabilizar a ideia de que exercem uma atividade submetida aos interesses públicos, como qualquer outra.

“Assusta-me que FHC assuma a bandeira da regulação da mídia”

Durante o seminário “Meios de comunicação e democracia na América Latina”, realizado no último dia 15 pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso (FHC), o ex-presidente defendeu a regulação da mídia como condição da democracia . O evento marcou também o lançamento de uma publicação conjunta do iFHC, Centro Edelstein de Pesquisas Sociais e da Plataforma Democrática apresentando reflexões e propostas para mudanças na legislação do setor.

As declarações aparentemente inusitadas de FHC – historicamente alinhado aos setores da mídia que abortam qualquer discussão sobre o tema taxando-o como tentativa de censura e ataque a liberdade de imprensa -, entretanto, não surpreendem o professor aposentado de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) Venício de Lima. O pesquisador aponta indícios de mudança na estratégia dos grandes grupos de mídia e teme que eles assumam a bandeira da regulação para fazê-la entre aspas: “Ou seja, muda para não mudar.”

Confira a entrevista.

Carta Maior – O senhor se surpreendeu com a posição de Fernando Henrique Cardoso?

Venício Lima – Não me surpreende, mas me preocupa. Tenho a impressão de que os setores historicamente avessos até ao debate sobre a questão da regulação estão se apropriando de um certo vocabulário de regulação da mídia, o que não necessariamente significa um avanço democrático. Há várias sinalizações disto.

Quais?

Em 2003, se não me engano, quando o Conselho de Comunicação Social [órgão auxiliar do Congresso previsto no artigo 224 da Constituição] ainda funcionava – porque desde dezembro de 2006 ele não funciona mais – criou-se uma subcomissão para discutir concentração da mídia no Brasil, por iniciativa do à época conselheiro Alberto Dines. Eu fui um dos convidados e apresentei um texto tratando da concentração histórica, não só, mas sobretudo, na radiodifusão do país. A última pessoa convidada foi um filósofo gaúcho chamado Denis Rosenfield, que não é da área, mas é um expoente do pensamento liberal conservador no Brasil. Sua participação foi sugerida e apoiada pelos grandes grupos de mídia que tem representação no Conselho. Ele criticou todas as apresentações anteriores, muito particularmente a minha, reafirmando todas as posições tradicionais dos grandes grupos de mídia, por exemplo, contrário a qualquer tipo de controle da propriedade cruzada dos meios e coisas desse tipo.

Recentemente, este ano, esse mesmo professor publicou um texto, destes que são publicados em vários jornais, defendendo a regulação do setor. Ele comete alguns erros bastante primários, mas pelo fato de ter publicado este texto e de ter defendido há menos de dez anos atrás posições totalmente opostas, passei a suspeitar de que os grandes proprietários da mídia começaram a se apropriar da necessidade de uma certa atualização da regulação, o que me preocupa porque isso pode significar que algum tipo de costura de bastidores pode estar sendo feita para que haja alguma coisa que se apresente como regulação e que não chegue nem ao que já está na Constituição há 23 anos. Então, tenho medo disso. Como acontece no Brasil, na maioria das vezes, as mudanças são para continuar onde estamos.

Há outras sinalizações?

Quando da aprovação da Lei 12.485, no final do ano passado, unificando a regulação da televisão paga, o jornal O Globo fez um editorial falando “precisamos mesmo atualizar a legislação da área e um bom exemplo do que precisa ser feito é essa lei, que foi feita sem contaminação ideológica, sem viés populista”, etc.

Além disso, o professor Bernardo Sorj, que é o representante do Centro Edelstein, que inclusive publica o livro lançado no seminário promovido pelo Instituto FHC, é o organizador de outro livro publicado há uns dois anos pela Paz e Terra, junto com a organização Plataforma Democrática. Esse livro não deixa qualquer dúvida sobre a posição desses centros de estudo sobre as questões que tem sido levantadas em relação aos marcos regulatórios que estão sendo implementados na América Latina. O próprio Bernardo Sorj, em outro texto, defende explicitamente a manutenção da propriedade cruzada dos meios, argumentado que a concentração talvez fosse uma forma de garantir a permanência dos veículos impressos, ameaçados pelas novas tecnologias. Então, fico com pé atrás, a menos que ele tenha mudado de posição.

Ou seja, a mídia tradicional prevê a regulação da comunicação como inevitável no Brasil e se movimenta para garantir uma regulação que lhe seja menos prejudicial?

Seria isso, como acontece com relação à bandeira da liberdade de expressão. Você vê setores que apoiaram o golpe de 1964, que patrocinaram a última expressão institucionalizada da censura no Brasil, assumindo indevidamente, de forma totalmente absurda, a bandeira da liberdade de expressão. Os mesmos grupos que apoiaram um governo que institucionalizou a censura e que, inclusive, afetou a eles próprios! O risco que se corre agora é que com esse movimento, certamente articulado com os próprios grandes grupos de mídia, eles assumam a bandeira da regulação e façam a regulação entre aspas. Ou seja, muda para não mudar.

Entre as propostas tiradas neste seminário, eles falam em combater a concentração da propriedade dos meios privados.

Eles precisam explicar melhor. Muita gente fala que combater a concentração é finalmente cumprir o que está naquele decreto 236, de 1967, da ditadura. Aquilo ali não tem nada a ver com propriedade cruzada. Limitam o número de concessões por região geográfica e um parágrafo poderia ser aplicado na formação de redes. Não há qualquer controle na formação de redes de rádio e televisão como a Globo. Do ponto de vista jurídico, inclusive da ação do Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] em relação a formação de cartéis e controle de oligopolização, esses grupos são aceitos como rede.
Mas eu ainda não vi a publicação lançada neste seminário e prefiro fazer um estudo do documento. Estou falando com base nas coisas que eu já vinha observando e sobre algumas já escrevi.

Seria importante ter um aliado como FHC nesta luta?

Ao contrário, me assusta que FHC e o grupo em torno dessa promoção assumam a bandeira da regulação, eu jamais diria que ele é aliado. Se fosse teria promovido a regulação nos anos que foi presidente da República ou, então, o PSDB estaria apoiando alguma coisa nesse sentido.

“É uma responsabilidade política de todos romper com o cerco midiático”

(Título original: Cúpula dos Povos: A Comunicação Compartilhada)

Ocorreu na última quinta-feira (10), no Rio de Janeiro, a reunião do grupo que está organizando a comunicação da Cúpula dos Povos. Pablo Kunich, venezuelano da Articulação de Movimentos Sociais hacia el ALBA e da Alba TV, e Rita Freire, articuladora da Ciranda e uma das organizadoras do Fórum Mundial de Mídia Livre, disseram que o principal papel da mídia livre será expressar a voz popular durante o evento. Segundo eles, é uma responsabilidade política de todos romper com o cerco midiático. A afirmação vem no mesmo dia (11) em que o jornal O Globo culpa os moradores de rua, que estão em parques públicos cariocas, por deixar a cidade mais feia para a Rio+20.

O que é fundamental na comunicação da Cúpula dos Povos?

Rita Freire (RF) – Está muito claro que todo o processo de comunicação da Cúpula dos Povos está orientado por um conceito construído pelo movimento ativista da comunicação. Não será uma comunicação convencional, voltada para as grandes mídias, esquece! Será uma comunicação com uma alma tanto do movimento social quanto do próprio movimento da comunicação. É o conceito da comunicação compartilhada, em que comunicadores e comunicadoras estão atentos às questões trazidas pela sociedade civil. Eles fazem sua produção, mas compartilham entre si para produzir conteúdos coletivos. Acho que a reunião avançou na construção da TV Cúpula, que se baseará nesse conceito e terá produções prévias e muita produção viva nas próprias atividades. A rádio Cúpula também, e muita produção dos movimentos sociais, com convivência na construção da cobertura durante o evento. O principal papel da mídia livre vai ser o de expressar a voz popular, da sociedade que se mobiliza e não é a mesma em discussão na Rio+20. Nesta é o ponto de vista de governo e do poder econômico, que estão procurando ajuste para a grande crise.  Mas as emergências da sociedade não estão sendo discutidas lá, muito menos os sonhos dos povos.

O movimento de comunicação vai para a Cúpula não só fazer cobertura, vai discutir a sua realidade, o que é a comunicação no mundo e o que ela tem a ver com os bens comuns, mudança de modelo, democratização. Nos dias 16 e 17 haverá o debate do Fórum Mundial das Mídias Livres, que contribuirá na assembleia na discussão da mercantilização da vida e bens comuns. Traremos o debate da comunicação como um bem comum cultural da humanidade.

Pablo Kunich (PK) –
É importante também entender que essa cobertura será realizada pelos meios alternativos, comunitários e populares, mas também que a comunicação não é apenas um problema de jornalistas e comunicadores: é um problema político central para o movimento social. Na Cúpula dos Povos vamos enfrentar o capitalismo em crise, mas que resiste a cair. E nessa resistência a comunicação é fundamental na luta dos movimentos. Não vai ser só uma cobertura, e sim uma mobilização, espaço de encontro, e com essa mesma metodologia entendemos a comunicação: uma possibilidade de compartilhamento, de articular experiências brasileiras, da América Latina, Europa e África. A Cúpula pode ser uma experiência para avançar nesse movimento de melhorias, porque também assumiu a responsabilidade que os movimentos têm em assumir sua própria comunicação como parte de da luta política. Fazemos comunicação porque falta terra, direitos humanos de milhões. Do ponto de vista estratégico, está prevista uma transmissão por internet via site da Cúpula, na rádio, os meios livres também com seus próprios produtos, além das traduções.

Com será a estrutura de comunicação?

RF – Teremos na Cúpula alguns espaços para edição de conteúdos audiovisuais, onde as pessoas vão poder contribuir com seus registros da Cúpula. Serve de documento, o que estiver registrado e não entrar na TV Cúpula faz parte de um acervo interessante. Todo o conteúdo da Rede dos Povos (http://cupuladospovos.org.br/2012/05/conheca-a-rede-dos-povos-a-plataforma-colaborativa-da-cupula/), um laboratório com plataforma compartilhada, deve ser bem divulgado. Alguns programas sobre resistência já estão em processo: um do quilombo da Pedra do Sal, outro da ocupação indígena do Museu do Índio ao lado do Maracanã e a construção da siderúrgica TKCSA.  Vai ter também a visita dos inuítes, que quer dizer nosso povo, ao invés de esquimós, que moram no Alaska, aos povos indígenas. Vai ter um programa sobre eles.

PK – Vai ter também uma cobertura especial sobre o acampamento da Via Campesina, porque é uma das articulações mais importantes, dentro outras coberturas desse tipo de espaços, como a Marcha Mundial de Mulheres. É importante dizer que o processo de comunicação não vai começar na Cúpula, já estamos trabalhando na cobertura, preparando os movimentos sociais, destacando quais são os posicionamentos, críticas ao capitalismo e alternativas que estamos pleiteando. Isso é fundamental. E a responsabilidade política de todos os setores da comunicação de posicionar as alternativas que temos ao capitalismo, ao invés de ficar só criticando. Está funcionando um boletim periódico da Cúpula, e os setores de comunicação dos movimentos sociais também estão fazendo boletins próprios. Uma rede ampla que já está trabalhando. E vale destacar dois momentos importantes: dia 05 de junho, dia do meio ambiente, e 20 durante a Cúpula, que serão dois momentos de mobilização mundial que já estamos promovendo.

A programação já está fechada?

RF – Todas as informações estão no site (http://cupuladospovos.org.br/). Nos dias 17 e 18 estaremos cobrindo as assembleias de convergências, que serão momentos de construção de toda essa leitura que a sociedade civil e os movimentos trazem para Cúpula. Vamos sistematizar as propostas da sociedade, e depois isso tudo vai compor o documento da Cúpula. Então é um momento ímpar, porque você vai ter 5 eixos: justiça social e ambiental e a luta por direitos; mercantilização da vida em defesa pelos bens comuns; soberania alimentar; indústria extrativista e mineração; trabalho com os paradigmas.

PK – Estamos vendo a possibilidade de se transmitir a assembleia ao vivo, é uma forma de democratizar um pouco mais a participação e ampliar o debate. Também foi citada a transmissão como um mecanismo de defesa, por causa da militarização da cidade e a possibilidade de repressão aos movimentos durante as mobilizações, como na Vila Autódromo, no início da Cúpula.

Tem mais alguma coisa a destacar na cobertura?

RF – Também deve ser coberta como a população está vendo a Cúpula, de que forma a própria conferência Rio+20, o primeiro dos grandes eventos que o Rio vai abrigar, está impactando a cidade. Esses eventos estão exigindo da cidade uma reorganização, e como a população mais indefesa frente o poder de eventos como esses foram afetadas. Acho que isso tem que aparecer também,  porque é um encontro sobre meio ambiente e direitos das pessoas. Muitas notícias mostram como as pessoas estão sendo afetadas, expulsas, as políticas de limpeza da cidade, que significa muitas vezes limpar a cidade da vida humana. Então essa é outra orientação da cobertura.

PK – A proposta é que todos tragam uma câmera, gravador, twitter, para uma possibilidade política de romper a barreira midiática. É uma responsabilidade política de quem estará colaborando nesta cobertura, que está articulada e tem diferentes plataformas trabalhando em conjunto. Está Cúpula que entra em contraste com a outra, que é a da minoria, a nossa será a dos mais, os mais pobres também, etc. Mas os comunicadores terão essa tarefa militante de romper esse latifúndio da mídia, que existe no Brasil e no mundo.

RF – A localização e forma de participar das atividades, temas, agendas das reuniões de pauta que teremos em conjunto, vão estar no site da Cúpula dos Povos. Toda a informação da comunicação e de como a mídia alternativa e os movimentos vão trabalhar está no site.

“Governo acumula forças para enfrentar debate sobre a mídia”

Em entrevista à Carta Maior, o secretário de Comunicação do Partido dos Trabalhadores, deputado André Vargas (PR), admite que há um descompasso entre as bandeiras históricas do PT para a comunicação e a política praticada pelo governo. Mas afirma que a presidenta Dilma Rousseff enfrentará o problema da alta concentração dos meios de comunicação no Brasil, a exemplo do que vem fazendo com os juros bancários, porque possui mais condições efetivas de fazê-lo do que o seu antecessor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Avalia que a CPMI do Cachoeira ajudará a deslanchar o debate. “A dinâmica dos fatos estabelece uma ligação a ser esclarecida entre a ‘fábrica de crises’ que a grande imprensa utiliza sistematicamente, principalmente no período em que o PT está no poder”, avalia.

Carta Maior – Qual é o projeto do PT para a área de comunicações? O PT recuou do programa apresentado nas eleições?

André Vargas – O PT vem sistematicamente, nos seus documentos, retomando um debate que não é só das eleições, mas da história dos 32 anos do partido. A questão da democratização das comunicações está na nossa plataforma. A agenda política permanece não só a mesma, como vem se aprimorando, buscando um foco. O PT continua com suas bandeiras, mas tem a contingência de ser o partido do governo. E a condução do governo tem outro ritmo.

Então existe um descompasso entre o que o PT pensa para a Comunicação e a forma como o governo age?

É natural que haja algum descompasso. Este é um governo de coalizão. Na nossa visão, o marco regulatório já deveria estar em discussão, mas o governo administra sua coalizão, sua governabilidade. O PT ajuda o governo nessa governabilidade, mas discorda e deixa isso bem claro em todos os seus documentos. Nós lutamos por um marco regulatório que, de fato, enfrente questões como o monopólio da mídia, a desconcentração, a propriedade cruzada, a questão do conteúdo regional, que rediscuta os contratos entre as afiliadas, o crescimento da internet etc.

E como se dá a pressão do PT nesse governo de coalizão? Qual o peso dela?

O partido dialoga de forma respeitosa com a presidente e este é tema
recorrente. Nos seus documentos, o PT nunca deixou de manifestar sua opinião, sem deixar de entender que o governo tem o tempo dele e nós temos o nosso. Os grandes veículos exercem também sua pressão sobre o governo.

Nós vivemos em um ambiente democrático. Mas a mídia [tradicional], em especial a Veja, não esconde que tem quase uma fixação pelo PT, que deve ser avaliada no campo da psiquiatria, da psicologia. Agora, a CPI do Cachoeira mostrará mais um pouco disso. Muita coisa que a gente suspeitava pode ser verdade. Os veículos de comunicação bateram também no PSDB, mas no nosso caso há um superdimensionamento.

O sr. está dizendo que a grande mídia usou desses expedientes especialmente nos governos do PT?

Isso ficou claro nos fatos que levaram à CPI do Cachoeira. É a primeira vez que a mídia não apoia uma CPI no seu nascimento. É simbólico isso. E só passou a apoiar forçando uma mudança de foco: elegeram a Delta [construtora responsável por obras do PAC] , e se esqueceram do Demóstenes [Torres, senador por Goiás] e do [Marconi] Perillo [governador de Goiás]. Mas a gente fala mídia como se fosse um ente absoluto. Não é assim.

Não é mais porque a Globo falou que se torna verdade. Isso está muito relativizado. Não existe mais um jornal nacional no país. Jornal impresso, muito menos. Há jornal em São Paulo que pretende ser nacional e não chega no ABC paulista. O governo tem feito alguns movimentos, ainda que não do jeito que a gente gostaria. A questão da regionalização que a Secom [Secretaria de Comunicação da Presidência] faz. Eu gostaria que fizesse muito mais, mas já há mais investimentos na mídia da internet. Antes eram 500 veículos que recebiam publicidade oficial. Hoje já são mais de 8 mil. Já é alguma coisa.

No debate sobre a mídia, a militância reclama que essa questão andou apenas no final do governo Lula e foi relegada a segundo plano no governo Dilma.

Em toda transição entre governos existe uma reacomodação. E o primeiro ano de todo governo é atípico mesmo. Mas eu acredito que o governo Dilma irá fazer muito neste campo, porque as condições de efetivamente fazer estarão melhores do que as condições de efetivamente fazer que o Lula teve.

E, neste aspecto, a CPMI do Cachoeira ajuda?

Ajuda. Não fomos nós que criamos a CPI; não fomos nós que delegamos a um senador moralista ser sócio do crime organizado. Nosso governo investiga mais criminosos, a Polícia Federal tem melhores condições de investigação. Mas não fomos nós que criamos os fatos da CPI. O que nós entendemos é que a dinâmica dos fatos estabelece uma ligação a ser esclarecida entre a fábrica de crises que a grande imprensa se utiliza sistematicamente e o crime, principalmente no período em que o PT está no poder.

Aliás, tem gente que estabelece semelhanças da capas da Veja de agora com as feitas no governo Collor, antes do impeachment. A revista nem foi criativa. Achou que havia escândalo suficiente para derrubar um governo e seguiu o roteiro. Se isso foi feito de forma criminosa, como fez o [Rudolf] Murdoch [o magnata das comunicações, controlador do jornal britânico News of the World, fechado por envolvimento em interceptação de conversas telefônicas de celebridades], esse é um debate legítimo ao qual a sociedade deve ter acesso. Isso será um subproduto da chamada CPI do Cachoeira. Vai estar presente nas investigações.

O que nos move é esclarecer os fatos. Se as gravações obtidas[pela Veja] para construir as matérias foram feitas de forma ilegal, nós queremos apurar. Queremos saber que relações esse jornalista [Policarpo Júnior] tinha com Cachoeira. Se um deputado ou senador tem que responder por associação com o crime organizado, uma empresa de comunicação social também deve, pois não é uma empresa neutra. É uma empresa que influencia opinião. Por que este seguimento não pode ter uma avaliação? Porque não podem se subordinar a uma conferência nacional? Ouvir o povo? No caso da TV Globo, ela é concessão pública.

Como enfrentar esses interesses, num ambiente de mídia concentrada e sem critério de regulação?

A democracia é o melhor dos ambientes. Esse novo Brasil não está sendo construído só pelo PT, pelos partidos, mas também pelo povo. Quanto mais nós conseguimos empoderar essa multiplicidade de comunicações, redes e tudo, maior será o avanço. Nós temos hoje um processo de acesso à informação multiplicado, mas um processo de produção de informação ainda muito concentrado. Eu acredito que o governo está armazenando as condições para encarar esse problema de frente, como fez com os bancos. Nós estamos em uma fase de acúmulo de forças para fazer este debate. Que não é um debate simples de fazer.

Acumulando forças como? E a maioria legislativa do governo?

Nós não temos muita alternativa. Quando nos pronunciamos a favor da regulação e o PSB, do neto do Miguel Arraes [Eduardo Campos, governador de Pernambuco] falou contra o documento do PT [que propõe o novo marco regulatório, democratização da comunicação etc], deu para perceber que não seria fácil . E tudo isso passará pelo Congresso Nacional. Para falar muito claramente sobre a correlação de forças: a Emenda 3, a famigerada, perdemos. O Código Florestal, nós arregimentamos forças e contamos 180 votos. Mas quando foi a voto não chegamos a 120 votos. Esses são os aliados que temos.

E como mudar essa correlação de forças?

Onde é que o povo se manifesta nessa questão? Essa discussão não vai provocar uma passeata com 50 mil pessoas. Há poucas manifestações sobre isso no campo das redes e esse é um debate que a população ainda não assumiu. São importantes estratégias como a do FNDC [Fórum Nacional de Democratização da Comunicação], de fazer uma campanha de popularização do marco regulatório da comunicação. Mas o PT não pode fazer essa mobilização sozinho, inclusive porque o tema fica estigmatizado como sendo algo do PT. Este é um trabalho para o conjunto de partidos, entidades, grupos e movimentos envolvidos nesse debate. Aliás, muito me impressiona entidades do nível da OAB e a CNBB não entrarem nesta agenda, pois isso interessa também a esses seguimentos.

Essa resistência não teria a ver com essa interpretação de que a regulação cerceará a liberdade de expressão?

Por isso é que nossa visão é que a nossa campanha seja pela liberdade de expressão. Por que é isso o que nós defendemos: uma liberdade de ir e vir, de receber, mas também de oferecer, de interagir. E a convergência digital oferecer essa possibilidade.

Por que o senhor assegura que o governo Dilma tem melhores condições de fazer esse debate que o governo anterior?

O governo vai ter que enfrentar este tema, e ninguém do governo disse que não vai enfrentar. O governo tem um desafio histórico de dar conta dessa demanda, que é uma demanda estrutural da sociedade brasileira. Não é uma demanda utópica, uma questão qualquer. É uma questão de fundo. O governo, dentro do processo de governabilidade, está acumulando energia e força. Nós não temos dúvida de que o governo tem este compromisso. Mas o PT vai continuar dizendo e tensionando. Não nos compete avaliar perfil de ministros, mas compete reforçar uma posição que a presidente tem colocado: a de que é favorável à liberdade de imprensa – aliás, isso nunca foi uma dicotomia para nós.

Nós somos favoráveis e somos frutos da liberdade de imprensa. A esquerda, o Lula, a Dilma, tudo isso é fruto da liberdade de imprensa. Mas também sofremos e padecemos da concentração da mídia que, muitas vezes, impõe uma visão que limita o desenvolvimento da sociedade. Nós não queremos que o PT se perpetue no poder, mas que a sociedade brasileira seja cada vez mais civilizada, aberta, sem preconceitos, onde todos tenham direito a comer, beber, vestir, emprego, universidade, lazer, esporte, enfim, a comunicar, a se ver, a ter identidade. Nós não cogitamos a hipótese de que isso não seja por uma via democrática. E a via democrática é o Congresso Nacional. Isso não quer dizer que não vamos debater os temas que não têm apoio da maioria do Congresso. Vamos debater, mas vai chegar a hora de votar. Mas existem passos que não demandam mudança de legislação. É importante, por exemplo, cobrar a instalação do Conselho de Comunicação, que está na Constituição.

“É mais fácil intervir num prestador em regime privado”

[Título original: Serviço convergente poderá substituir a concessão]

O conselheiro Jarbas Valente propõe a migração de todos os serviços de telecomunicações, inclusive do STFC, para uma licença única de serviço convergente, em regime privado, com plano de metas a ser revisto a cada cinco anos. Os bens reversíveis poderão ser trocados por investimentos em redes de nova geração.
 
O avanço da convergência de plataformas e serviços, oferecidos em pacotes de voz fixa e móvel, dados e vídeo, seria acelerado, com benefícios para o usuário, se houvesse uma atualização do marco regulatório das telecomunicações, com a criação de uma licença única de serviços de telecomunicações, a exemplo do que já ocorre, por exemplo, na Europa, que criou o serviço universal. Tendo em vista esse cenário, o conselheiro Jarbas Valente, vice-presidente da Anatel, apresentou, durante o  29º Encontro Tele.Síntese, realizado em Brasília, no dia 17 de abril, a proposta de criação de um serviço convergente, a ser prestado em regime privado. A proposta, ainda em debate no âmbito interno da Anatel, se aprovada pelo conselho diretor poderá ser transformada em sugestão do órgão regulador ao novo marco regulatório em elaboração pelo Ministério das Comunicações e que será submetido à consulta pública.

Nesta entrevista ao Tele.Síntese, Valente detalha a proposta, apresenta os motivos por ter optado por colocar o serviço convergente sob a prestação em regime privado, vincula a criação do novo serviço a um plano de metas a ser cumprido por todas as empresas que quiserem migrar para o novo serviço e propõe que essas metas sejam renovadas a cada cinco anos, criando condicionantes de melhoria da prestação que hoje não exitem para os serviços que não estão sob a concessão, caso do STFC, e para aqueles que não usam frequência, caso do Serviço de Cmunicação Multimídia.

Ele explica, também, porque é interessante a rápida mudança do STFC para um novo serviço, com manutenção de suas obrigações e criação de novos condicionantes. “O serviço telefônico fixo está em declínio e perdendo receita. Não podemos esperar 2025, quando se encerram as atuais concessões do STFC, para fazer esta discussão, pois o valor dos ativos reversíveis à União estarão muito desvalorizados”, avalia. Sua ideia é de que os bens reversíveis à União sejam valorados e que as empresas sejam obrigadas, ao aderir à migração para o novo serviço convergente, a investir volume de recursos equivalentes em redes de banda larga de nova geração, com prioridade para o atendimento das regiões com pior infraestrutura de telecomunicações.

Tele.Sintese – A convergência de serviços e de plataformas  demanda uma reorganização dos serviços na Anatel e a criação de novas licenças? O senhor tem uma proposta para criação de uma licença unificada?  
Jarbas Valente – Este processo aconteceu no mundo todo. Nos países desenvolvidos, que estão sempre um pouco à frente da gente, os serviços também sempre foram, no passado, vinculados à tecnologia. Na TV paga por micro-ondas tínhamos o MMDS, o LMDS… O próprio portifólio da Anatel tinha mais de 70 serviços. Com o tempo, fomos diminuindo isso. Um exemplo clássico é o da TV por assinatura. A lei da TV por assinatura  aprovada pelo Congresso Nacional, no ano passado, unificou o serviço até então dividido por tecnologias. Quando era via satélite, tínhamos o DTH; quando por microondas, numa faixa, o MMDS; noutra, o LMDS. A TV a cabo… E assim foi. Até que tudo foi unificado em um serviço só, o Serviço de Acesso Condicionado (SeAC). A Anatel já vinha fazendo isso nos demais serviços.

Tele.Síntese – Qual é o cenário hoje?
Jarbas Valente – Agora, chegamos em um nível no qual temos cinco grandes famílias de serviços, todos públicos, de interesse coletivo. Neste grupo, temos um que é prestado em regime público, e também em regime privado, que é o STFC. Os demais, são todos prestados em regime privado. Um deles, inclusive, o SeAC, define em lei a prestação em regime privado. O STFC também, por lei, é caracterizado como serviço público…

Tele.Síntese  – Mas, afinal, qual a vantagem de se ter uma licença de serviços convergentes?
Jarbas Valente –  Hoje, como damos outorgas individuais, e a legislação permite que seja dada para a mesma empresa uma outorga individual para cada tipo de serviço, quando a empresa comercializa para o usuário final, vende os  serviços um por um. Aí surgem as dificuldades para a Anatel discutir se se trata ou não de venda casada. Assim, a primeira vantagem de uma outorga única (na Europa, temos a autorização universal para serviços de comunicações) é o fato de a empresa vender ao usuário final um conjunto de serviços, definir o preço total, e descrever o valor de cada serviço. Isso quer dizer que cada serviço continua a existir individualmente, mas o usuário final adquire um conjunto. Isso facilita muito para o usuário.

Tele.Síntese – Qual a dificuldade para chegar lá?
Jarbas Valente – Isto só é possível se os serviços estiverem todos sob um mesmo regime.

Tele.Sintese – Em sua proposta de criação de um serviço único convergente, o senhor considerou tanto a possibilidade de estarem todos sob regime público quanto sob regime privado. Por que considerou este segundo como o melhor caminho?
Jarbas Valente –
Por que a gente colocou, à época, o STFC em regime público? É bom resgatar a origem, lá em 1995. Primeiro, porque queríamos universalizar um serviço que não estava universalizado. Ele tinha de estar capilarizado no Brasil todo. Então, precisávamos ter segurança para trocar de mãos um patrimônio público, no caso a Telebras e sua infraestrutura. Mesmo adquirindo 18% das ações, os compradores privados teriam o direito de administrar as operadoras do STB. Nossa maior dúvida era se colocávamos uma golden share, como fez Portugal, ou, se não fosse isso, qual seria a alternativa. A opção jurídica, criada pelo Sunfeld (o advogado Carlos Ari Sunfeld, que assessorou o governo na formulação da Lei Geral de Telecomunicações ), foi estabelecer o regime público para a telefonia fixa, o serviço a ser universalizado, com algumas garantias. A principal delas, a reversibilidade à União dos bens necessários à prestação do STFC . Caso a licitação não fosse um sucesso, e as empresas não dessem conta no prazo de cinco anos de universalizar a prestação do serviço, o Estado tornaria a reassumir. E no dia em que houvesse competição suficiente, a ideia imaginada naquela época é que mudaríamos o regime do STFC. Sairíamos do regime público para o privado. É bom frisar que os serviços não deixam de ser públicos, porque, por definição, são públicos todos os serviços cedidos por autorização, permissão ou concessão.

Tele.Síntese – Mas qual a vantagem de colocar o serviço convergente como serviço prestado em regime privado e de migrar o STFC para o regime privado?
Jarbas Valente – Hoje, quando a gente analisa a situação do STFC, constata que o serviço público está universalizado. Todas as localidades com mais de 300 habitantes têm oferta do serviço nas residências, ou seja, têm rede. E já tem empresa que presta o STFC no regime privado, empresa  chamada nova entrante que não é concessionárias desse serviço, que é maior do que uma concessionária de STFC no regime público. Então, a pergunta: qual a diferença do regime público para o privado? Basicamente, as obrigações e os condicionamentos a que o serviço prestado em regime público está sujeito. Então, se criarmos uma nova estrutura regulatória e nela amarrarmos um planos de metas, vamos garantir a continuidade dos serviços e os compromissos a eles relacionados.

Tele.Síntese – Há uma certa confusão na sociedade sobre o que é e o que não é público, serviços em regime público e em regime privado. Quando o senhor afirma que todos os serviços de telecomunicações são públicos, mesmo aqueles prestados em regime privado, o que quer dizer com isso? Qual a garantia que a sociedade tem sobre a continuidade do serviço, no caso, por exemplo, de uma empresa privada quebrar?
Jarbas Valente – No caso do serviço em regime público, deixamos explícito na legislação que o Estado assume o serviço caso ele deixe de ser prestado pela concessionária. No caso do serviço privado, a intervenção do Estado está implícita, porque a Constituição Federal, em seu artigo 21, diz que quando um serviço é explorado na forma de concessão, permissão ou autorização, ele é do Estado, é público. Então, todos os serviços são públicos. E também está na Constitutição que o Estado tem de manter o serviço. Se um serviço é público, está na Lei de Concessões que o Estado tem manter os serviços dados por autorização. Assim, se uma grande empresa do Serviço Móvel Pessoal (o SMP é prestado em regime privado), que é fundamental para o país, estiver com problemas, temos de intervir nela e assumir a operação até que ela seja vendida. Ou mesmo uma empresa pequena, quando pede uma renúncia à Anatel para deixar de prover o serviço, a agência só torna viável essa renúncia depois de verificar como ficam sua infraestrutura e seus assinantes.

Tele.Síntese – Em outros países, os serviços de telecomunicações são prestados em que regime?
Jarbas Valente – São todos serviços públicos, mas sem as distinções que temos no Brasil de regime público e regime privado. O que há, como nos nossos serviços privados, são os contratos, em cujas autorizações se amarram todas as obrigações das empresas junto ao regulador.

Tele.Síntese –  Nos países europeus, mesmo a universalização da banda larga, prestada por empresas privadas, é feita por contratos de autorização?  essas autorizações têm contrapartidas?
Jarbas Valente –  Têm, sim. O que se alega do ponto de vista legal quando se tem uma concessão é que ela é mais abrangente, mais robusta do que uma autorização. Do ponto de vista legal, o Estado teria mais condições de intervir e de fazer qualquer ajuste nas empresas. Mas a experiência que a gente tem aqui na Anatel mostra que intervimos muito mais em empresas que operam em regime privado do que naquelas que exploram os serviços em regime público, porque nestas é preciso manter o equilíbrio econômico-financeiro, é preciso calcular isso. No regime privado, não. Mudamos o SMC para o SMP, de concessão, para autorização. E criamos incentivos no SMP, depois criamos regras e obrigações para o serviço, aproveitando cada licitação de radiofrequência que era realizada. Ao longo do tempo. Obrigações na regulamentação, de atendimento ao usuário final. Lojas, preços. Agora, com a provável queda da remuneração de rede, a VU-M, estamos intervindo no mercado constantemente. A garantia que tem de haver no regime privado são os compromissos que as empresas têm junto ao órgão regulador, para dar segurança ao cidadão.

Tele.Síntese – Na sua proposta de serviço convergente, como ficam as obrigações?
Jarbas Valente – Estamos propondo que os contratos que sejam revisados a cada cinco anos. E isso vai valer para todas as empresas que aderirem, mesmo as não concessionárias.

Tele.Síntese – Voltando ao tema anterior, por que o senhor deu preferência ao regime privado? Quais são as contrapartidas?
Jarbas Valente – Discutimos muito tudo isso aqui quando saiu o SeAC, todo ele em regime privado mediante autorização. E a gente tinha TV a cabo como concessão, mas em regime privado e com obrigações. No SeAC, tentamos criar obrigações. No final, ficou claro, que para os novos entrantes não há obrigações, só para o prestadores que já tinha adquirido a concessão.  Como no SCM, onde o interessado só tem de ter outorga quando solicita prestar o serviço junto ao órgão regulador. Depois, não tem mais prazo, a Anatel não renova. Vimos que quando o serviço prestado no regime privado não envolve o uso de radiofrequência, que tem prazo definido, é meio dificil renovar os compromissos ou criar novos. Então, nos perguntamos o que fazer para garantir que o regime privado ficasse parecido com o público, com concessão de 20 anos, mas com revisão do contrato a cada cinco anos. Ora, como numa autorização no regime privado não há prazo determinado, teríamos de criar algo parecido. Por isso, estamos propondo a revisão do plano de metas a que as empresas estarão obrigadas a cumprir a cada cinco anos.

Tele.Síntese – O senhor ainda não disse quais as questões de fundo, que levaram à preferência pelo regime privado…
Jarbas Valente – Na Anatel, minha experiência como superintendente de serviços privados mostra que é muito mais fácil intervir num prestador em regime privado, com a criação de novas obrigações, do que num prestador em regime público, que tem, em uma das cláusulas da concessão, a questão do equilíbrio econômico-financeiro, cujo cálculo é extremamente difícil e nos dificulta criar mais obrigações. No regime privado isso não existe. Mas, é claro, nunca criaríamos obrigações que pudessem prejudicar o equilíbrio das empresas. E também, por haver muita competição, é muito mais fácil as empresas aceitarem as obrigações. O que não acontece no regime público. E a ideia é que, tendo competição, é mais fácil trabalhar com essas regras.

Tele.Síntse – Então, por isso, a opção pelo regime privado?
Jarbas Valente – Além disso, nos cinco serviços que compõem a licença única, o SeAC é privado, por lei; o SCM, que é banda larga fixa, é privado; o SMP, que é voz e banda larga móvel, é privado; o SME, que é voz, despacho, é privado; o STFC está nos dois regimes – público e privado. Portanto, a maioria absoluta dos serviços no Brasil são prestados no regime privado. Hoje, o STFC no regime privado já tem uma fatia de mercado de uns 30%. A Embratel, hoje, em termos de acesso, já é maior do que a antiga Brasil Telecom. Sem dúvida, juntas Embratel e GVT são maiores do que a antiga Brasil Telecom. Outra razão levou à opção pelo regime privado: nas tecnologias novas, quando se coloca a banda larga em casa, e se trabalha no protocolo IP, consegue-se criar aplicações que atendem a todos os segmentos. Temos a VoIP, IPTV e IP para outras coisas. Com isso, facilita-se o atendimento do usuário que quer falar. E falar vendo a pessoa do outro lado, pelo Skype, por exemplo. Hoje, a Embratel está usando VoIP no STFC. E as concessionárias hoje não usam VoIP, por conta da exigência de não interrupção no serviço, que ocorre quando falta energia e a conexão à internet não funciona. Por isso, a integração no padrão NGN mantem o STFC nas várias tecnologias utilizadas, até que a evolução tecnológica possa garantir a continuidade do serviço.

Tele.Síntese – E essa separação implica ter redes separadas, não é?
Jarbas Valente – Sim, as redes são separadas, até um dia ser possível ter uma só, daqui a uns dez anos, talvez.

Tele.Síntese – Mas, hoje, a concessionária, ao decidir investir, em função dos regimes diferenciados, das obrigações e da reversibilidade dos bens, não investe na tecnologia mais moderna para voz...
Jarbas Valente – É verdade, principalmente por causa de interpretações, fica a dúvida se elas investem no regime privado ou no público. Está tudo muito misturado. Por exemplo, a Embratel tem vários transponders usados para telefonia que são bens reversíveis. E assim, toda a infraestrutura dela. Essa diferenciação de regimes tem dificultado os investimentos das empresas. Como conseguimos universalizar a telefonia fixa e a móvel, com produtos substitutos, a móvel com certeza virá a manter as obrigações que tem hoje com o STFC com o cabo na rua, via móvel, com o produto substituto também. As obrigações do STFC serão atendidas com outras tecnologias.

Tele.Síntese – Ao propor contrapartidas a todas as empresas que vierem a aderir ao novo serviço, independente se serem concessionárias ou autorizatárias, não importa os serviços que ofereçam, o senhor está ampliando o universo de empresas prestadoras de serviços de telecomunicações que terão que cumprir exigências. É isso mesmo?
Jarbas Valente – Exatamente. As exigências serão maiores para as concessionárias de STFC no regime público, cujas obrigações vão até 2015. A legislação obriga atendimento ao usuário em todas as localidades acima de 300 habitantes, com telefonia individual. A empresa vai continuar com, as obrigações, só que poderá atendê-las sem usar a telefonia fixa, poderá usar a móvel. Mas vai atender da mesma forma. Há tecnologias alternativas que atendem. Como já conseguimos colocar a telefonia móvel em todos os municípios do Brasil, teremos a substituição de uma pela outra.

Tele.Síntese – No caso específico da migração do serviço de voz da concessionária para o serviço convergente, teremos outras questões que não só o atendimento, cobertura, prazo, qualidade. Por exemplo, a reversibilidade. O prazo da concessão vai até 2025. Como fazer a migração do STFC preservando os interesses da União e da sociedade?
Jarbas Valente – Temos que estar preparados, como aconteceu agora com as renovações na energia elétrica…Pela minha proposta, ao invés de esperar 2025, se anteciparmos a licença convergente para 2014, 2016, vamos avaliar o valor dos bens reversíveis existentes para a prestação do STFC. Quanto vale isso? Vou trocar este valor em serviços que são importantes para o Estado. Troco esse valor por investimento das empresas em redes modernas. Então a empresa terá de investir todo o valor avaliado no que for estipulado, e se cumprir as metas que serão estabelecidas, poderá passar a explorar o serviço em regime privado. Se não interessar, vamos continuar com o STFC no regime público e voltar a discutir em 2025.

Tele.Síntese – Vamos imaginar que os bens reversíveis alcancem R$ 200 bilhões, R$ 500 bilhões. Esse dinheiro não vai para o Estado, mas será investido pelas concessionárias em áreas a serem determinadas, basicamente na melhoria da qualidade das redes de banda larga, de nova geração. É isso, então?
Jarbas Valente –
Exatamente. E a ideia que sugeri é priorizar os estados mais carentes do Norte, Nordeste, Centro-Oeste, e complementar os demais que estão melhor servidos em capacidade de banda larga, principalmente na vazão dos municípios que vão demandar cada vez mais, e nos aneis ópticos que precisam ser feitos nas grandes cidades. A ideia é trocar aquele valor por investimentos que vão ficar com as próprias empresas. Mas teremos o atendimento em banda larga, que é o que o Estado quer, o que, sabidamente, aumentará o PIB do país.

Tele.Síntese – Na verdade, quem ficará com o dinheiro é a própria empresa que migrar para o regime privado…
Jarbas Valente – Isso mesmo, só que o dinheiro tem endereço, será para investir na sua infraestrutura para atender a uma necessidade de ampliação que o Estado defina.

Tele.Síntese – Pela sua proposta, parece que haverá transferência de dinheiro público para operadoras privadas…
Jarbas Valente – Essa é a primeira impressão. Mas, na realidade, não é isso. Eu diria que o dinheiro dos bens reversíveis é quase virtual, é de alguma coisa que está lá fisicamente — os prédios, as torres, os cabos, toda a infraestrutura que as empresas têm para prestar o STFC – e que discutiríamos em 2025. Pela lei, se a concessão não for renovada, o Estado terá de devolver o valor dos bens reversíveis à empresa privada. E esses bens, como sabemos, estão perdendo valor, porque a voz fixa está perdendo espaço no mercado. Então, o que estamos propondo é que, ao invés de o Estado indenizar a empresa privada em 2025, e assumir a prestação do STFC, ele faz a troca agora, quando os bens rversíveis ainda valem mais, define o dos bens e obriga as empresas a investir o equivalente na ampliação da infraestrutura do serviço convergente autorizado, que continua a ser um bem público.

Tele.Síntese – O senhor acha que isso é bom para a sociedade?
Jarbas Valente – Acho. E não há dúvida, porque a sociedade do futuro será a sociedade da comunicação interativa. Vamos precisar cada vez mais de altíssimas velocidades para interligar todos os municipios brasileiros e, depois, também, interligar dentro o próprio município.

Tele.Síntese – A sua proposta é arrojada e polêmica porque há no país, na sociedade civil, a convicção, talvez em função de nossa herança patrimonialista, de que o serviço, no regime público, com reversibilidade dos bens, tem maior controle por parte da União. Como é lidar com isso?
Jarbas Valente – Estou no setor há muito tempo. Sempre achei que o Estado é maior do que tudo. É ele que provê as facilidades para a sociedade. Em 1988, lutamos muito para garantir o monopólio estatal. Participei de um grupo, junto com o Bittar, o Walter Pinheiro e outros. Nosso medo era que se fizesse no Brasil o que fora feito nos outros países da América Latina, uma lei que concedesse esses serviços para a iniciativa privada sem um critério bem definido, com garantias para a sociedade. Entramos na Justiça e suspendemos liminarmente um edital (de privatização do serviço de telefonia móvel) que já corria no Ministério das Comunicações para abrir o setor. O ministro era o Antonio Carlos Magalhães (governo Sarney). Caso contrário, o setor ficaria nas mãos de pouquissimos grupos, sem ter uma estrutura competitiva. Nossa luta, naquela época, era para manter o monopólio até se ter regras claras que permitissem abrir o mercado, com segurança. Quando se abriu, foi feito com regras claras, em 1995. Regras que evitassem a quebra de um bem público, um bem transformado em concessão, permissão ou autorização. Vimos que no mundo todo isso era feito em regime privado, com resultados extraordinarios. Mas tínhamos de passar por um período de transição e no dia que tivessemos uma competição muito forte, tudo seria feito em regime privado. Entendo o que está na alma nossa de latinos, de que o que o Estado faz é nosso, o que as empresas privadas fazem não é. A gente tem de ter a consciência de que não é preciso o Estado estar fazendo tudo, prestando todos os serviços público. A gente tem é de controlar o que o Estado repassa para a iniciativa privada muito bem controlado, fiscalizado, para que também seja nosso. Esse é um ganho que a gente vai ter. Aprendemos ao longo do tempo com o serviço em regime privado. Hoje,  temos 250 milhões de acessos cobrindo todo o país, e com competição. Com quatro grandes empresas. E o que pesa muito para nós quando discutimos é que queremos ter, no novo modelo, pelo menos três grandes empresas nacionais com redes. Cada uma com sua rede. Porque tendo rede, tem competição. Nossa meta, em todo o trabalho que fizemos, é ter, nos serviços intermunicipais, três grandes empresas, no minimo. E, no âmbito local, várias empresas, tantas  quantas forem possível, desde que a gente dimensione e qualifique claramente qual o preço dessas vazões que serão dadas aos municípios. Com competição, conseguiremos garantir isso. E garantir o controle do Estado o tempo todo.

Tele.Síntese – Qual o papel da Telebras no contexto de sua proposta que visa, sobretudo, estimular a convergência?
Jarbas Valente – A depender de como o governo vai estruturá-la, a Telebras pode ter um papel importantíssimo, porque as redes das empresas de energia elétrica, cuja infraestrutura de fibras ela utiliza, são importantíssimas. É preciso ter alguém para administrar isso, para fazer troca ou ceder aquela infraestrutura para empresas que estão na ponta. A Telebras pode ter um papel de equilíbrio nisso. Há muitas empresas que talvez não tenham condições de investir e se a Telebras puder colocar à disposição a infraestrutura para aqueles que queiram prestar o serviço na ponta, ela continuará a ter o seu espaço.

Tele.Síntese – O senhor mencionou a possibilidade de casar o plano de metas do novo serviço convergente com as obrigações relativas aos grandes eventos esportivos. Considera isso viável no tempo?
Jarbas Valente – Acho viável. O ideal era ter feito isso em 2010. Estamos com dois anos de atraso. Mas é possível fazer muita coisa nos 12 municípios onde haverá jogos, e em outros grandes municípios, pelo menos nos que têm mais de 500 mil habitantes. Há tempo ainda até 2014, mas se não der teremos as Olimpíadas em 2016. Mas como as empresas sempre surpreendem…

Tele.Síntese – É tempo suficiente para fazer o que?
Jarbas Valente –
Para atender as novas metas que serão colocadas na troca. Quando colocamos vantagens para as concessionárias que antecipassem as metas em 2001, não tínhamos muita certeza de que as empresas iam aderir, e muitas anteciparam para poder prover outros serviços. Foi uma surpresa, um investimento extraordinário. Agora, poderá acontecer algo parecido.

Tele.Síntese – Qual o calendário para o debate interno da proposta dentro da Anatel? Se houver consenso, ela será formalizada ao governo?
Jarbas Valente – Não sei se será exatamente essa proposta. Na Anatel há um grupo  trabalhando para levar uma proposta ao governo federal. Somos cinco conselheiros, cada um tem uma posição, uma visão. Temos as áreas técnicas estruturadas por serviços, cada uma defende suas propostas de forma bastante aguerrida. Teremos de chegar a um consenso. Vamos tentar fazer isso o mais rapidamente possível, mas estamos trabalhando nisso paralelamente à reestruturação da Anatel, já com vistas a um sistema mais convergente.

Tele.Síntese – O mais rapidamente possível seria até o segundo semestre?
Jarbas Valente – A ideia é que até o segundo semestre tenhamos amadurecido uma proposta na Anatel para encaminhar algo ao Ministério das Comunicações. Todos na Anatel temos consciência da importância da convergência porque a evolução tecnológica é muito rápida. E temos de acompanhar essa evolçução do ponto de vista regulatório.