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Balanço da Confecom por Veloso, Saad e Pieranti

Após entrevistar alguns delegados/as da sociedade civil pernambucana rumo à I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em Brasília, o Ombuds PE conversou com três representantes dos segmentos presentes na conferência, encerrada no último dia 17 de dezembro: Ana Veloso, Paulo Saad e Octavio Pieranti.

Ana Veloso, delegada por Pernambuco pela sociedade civil organizada, é jornalista e professora de Comunicação Social. A pernambucana participou das plenárias, como uma das representantes do Fórum de Mulheres do estado – entidade que trabalha com formação de comunicadoras populares (mídia advocacy) no interior e região metropolitana.

Paulo Saad, vice-presidente do Grupo Bandeirantes de Comunicação, foi delegado pelo estado de São Paulo no segmento sociedade civil empresarial. Saad integra, junto com a Rede TV, a Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra), fundada em 2005 e presente na Comissão Organizadora Nacional (CON), da Conferência.

Ao final, entrevistamos o delegado pelo poder público Octavio Pieranti, coordenador geral de TV e plataformas digitais da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura( SAv/MinC). O representante do MinC na conferência integrou a CON e conduziu parte dos trabalhos da etapa nacional da Confecom, que se encerrou em 17 de dezembro do ano passado.

 

Como você avalia o processo da I Conferência Nacional de Comunicação?

Ana Veloso: O processo foi muito tumultuado e desorganizado, tanto nos estados, quanto em Brasília. Inclusive, tivemos delegados/as de Pernambuco que não foram para a nacional por conta da falta de comunicação, uma vez que não houve uma estrutura competente que assumisse a articulação para mobilizar os/as delegados locais para a etapa nacional. Compreendo que foi falta de sensibilidade por parte do Estado. Incluo, aí, o governo de Pernambuco, que não administrou o processo de modo eficiente. Isso prejudicou a delegação da sociedade civil, principalmente, do interior. Não podemos deixar de tornar público o descaso e o destrato com os/as delegados de Pernambuco.

Paulo Saad: O processo como um todo, desde o decreto presidencial, foi muito rico e interessante. Algumas pessoas podiam não estar preparadas para o dialogo sem preconceitos, mas, com a contribuição dos que tinham a boa-vontade e o interesse genuíno em construir pontes e pavimentar estradas da compreensão, acho que obtivemos êxito. Pessoalmente, após 40 anos de trabalho, já tendo passado por diversas situações políticas e econômicas em minha vida profissional, senti um prazer renovado em conviver com a diversidade e com esta nova geração de profissionais dos três segmentos.

Octavio Pieranti: O processo de construção da Confecom foi extremamente rico. Uma conferência, além de permitir a mobilização e a reflexão de todos os brasileiros em torno de um tema, deve ser entendida, também, como espaço para a geração de um grande painel das demandas da sociedade em relação a um campo específico. Ao agregar, até o fim das discussões, poder público, empresariado e sociedade, a I Confecom cumpriu esse papel e sinalizou ao Poder Executivo e ao Congresso Nacional expectativas realmente representativas em relação ao campo da comunicação.

Como foi o diálogo entre segmentos tão diferentes da sociedade?

Ana Veloso: Não houve diálogo em muitos momentos, principalmente quando uma parcela do empresariado vota contra a acessibilidade de pessoas com deficiência à mídia. Os empresários querem manter seu poder e a ditadura do mercado na comunicação. A sociedade civil quer o oposto. Portanto, não acredito, como muitas organizações da sociedade civil e até o governo estava apregoando, que os empresários que permaneceram na Confecom, queriam construir uma comunicação mais democrática para todos/as. Algumas pessoas sim, do segmento de empresários que atuam no setor social, tinham esse compromisso. Outros estavam na Conferência para aprovar propostas que abalassem o poderio da Rede Globo, o monopólio de distribuição da Editora Abril e as empresas de televisão por assinatura.

Não era por uma questão de democratização da comunicação, mas, de democratização dos lucros, do faturamento. Eles, ainda, queriam reforçar a já existente parceria público-privada para obter mais recursos do Estado para suas produções e conseguir mais financiamento. Uma parcela do empresariado barganhou a participação o tempo todo com o governo e com entidades da comissão organizadora, para que as regras fossem adequadas ao seu segmento. Portanto, diante de uma relação assim, não percebo real compromisso com a democracia.

Paulo Saad: Afinal acho que foi muito bom, a tão propalada batalha entre os contrários já pode ser chamada de Batalha de Itararé, a que não houve, pois o dialogo mostrou que os contrários não são tão contrários assim. É claro que algumas posições são muito divergentes mas, se bem analisadas podem ser adaptadas aos pontos de vista de cada segmento. Como exemplo, explicito a questão do controle social que a nós empresários de comunicação soa como censura a circulação de idéias, de informação e de ingerência na sua atividade – e para quem já sofreu pessoalmente com este processo é fundamental, essencial que a liberdade seja duramente defendida, e ela começa, primordialmente, pela liberdade de informação – e para o segmento civil e governamental pode ser a necessidade de responsabilização (no sentido adulto do termo) dos meios de comunicação e que é um tema muito sensível para todos, há de haver uma forma de conciliar as posições.

 

O setor empresarial já tem meios de auto-controle (em organismos independentes) e de sua responsabilização, devemos fortalecer esses meios e ter o aval dos outros segmentos da sociedade, preservadas sempre a liberdade de informação, a livre circulação de idéias e a livre iniciativa.

Como ponto comum, largamente defendido em nosso grupo de trabalho e em outros, é a defesa e o fortalecimento do mercado de produção de conteúdo brasileiro. É bom ter certeza de que aos meios de comunicação interessa muito que a produção de conteúdo nacional seja forte.

Octavio Pieranti: há quase quinze anos, desde a promulgação da Lei do Cabo em 1995, poder público, empresariado e sociedade civil não discutiam, juntos e durante tanto tempo, o campo da comunicação no Brasil. Antes, um espaço de debate tão duradouro quanto esse foi a Assembléia Nacional Constituinte de 1988. O diálogo entre os segmentos diferentes nem sempre é fácil, mas é essencial para a democracia. É claro que apareceram divergências ao longo dos últimos meses, mas os segmentos entenderam que elas são naturais e que não podem ser empecilho para a construção de um debate franco e aberto sobre a comunicação no país.

 

O que você espera que aconteça com as propostas elaboradas e aprovadas na Confecom?

Ana Veloso: Nossa missão, agora, é monitorar a implementação das propostas aprovadas. Isso vai ser um trabalho muito difícil, uma vez que a sociedade civil brasileira ainda não aprendeu que não basta, apenas, a realização das conferências se o que foi apontado não sair do papel. Temos que ter força política para cobrar, do Estado, o que foi proposto, com orçamento para isso. Mas, o que ocorre, na prática, até hoje, é a negociação de pautas por segmento. Cada um coloca o pires na mão e vai mendigar com o governo de plantão.

Quero dizer que vai ser muito grave se cada setor da sociedade civil se isolar em torno da implementação, apenas, das suas propostas específicas, sem discutir com o conjunto dos sujeitos coletivos (fato que ocorreu durante a própria Confecom), um projeto de comunicação mais amplo.Não estou querendo negar a autonomia dos sujeitos. Todavia, não teremos vitórias significativas se a luta for fracionada, fragmentada.

Nosso desafio é construir uma unidade política, respeitando nossas diversidades, também no campo da comunicação. Sim, tivemos vitórias muito significativas no processo. Agora, precisamos distanciar nosso olhar das conquistas suadas e analisar os processos.

Para tanto, é preciso reconhecer quem são nossos/as companheiros/as e suas posturas na hora da negociação, bem como, compreender as posições do Estado e traçar nossas metas para detectar onde ainda precisamos avançar.

Paulo Saad: Acredito que foi criada uma plataforma de discussão que deve ser analisada e reavaliada nos seus aspectos mais importantes para que possa seguir seu curso legislativo. Não vejo como o total de propostas aprovadas, por consenso ou por votação, possa se tornar um projeto se não for organizada em termos mais dinâmicos e concretos até porque acredito que muitas delas sejam duplicadas.

Como sugestão para uma nova Confecom eu proponho que o numero de Grupos de Trabalho seja reduzido e o numero de delegados também, mantendo-se os princípios que nortearam esse. Acredito que assim teremos mais eficiência e pouca superposição nas propostas.

E por fim,mas não por ultimo, quando falamos de segmentos parece existir uma fragmentação na sociedade brasileira o que eu não acredito. Não existem segmentos, existe o Brasil e sua sociedade como um todo.

Para ficar claro aos empresários interessa:

1- Liberdade de informação e de circulação das idéias.

2- Defesa da livre iniciativa.

3- Desenvolvimento econômico.

4- Distribuição de renda e melhora do poder aquisitivo de todos.

5- Respeito a democracia e a diversidade.

6- Fortalecimento dos meios de produção de conteúdo nacional.

Acredito que estes princípios e interesses são ou deveriam ser de toda a sociedade.

Octavio Pieranti: Uma conferência como a Confecom sinaliza aos Três Poderes quais são as demandas de todos os brasileiros. Assim, as propostas aprovadas passam a ser subsídio importante para a tomada de decisões, sempre se respeitando garantias e direitos constitucionais. A implementação de grande parte das propostas aprovadas dependerá dos encaminhamentos do Congresso Nacional. Outra pode ser implementada pelo Poder Executivo, que já desenvolve programas e políticas aderentes a parte das propostas aprovadas na Confecom. Por fim, há diversas propostas relativas à garantia de direitos fundamentais, cuja implementação depende de todos os segmentos presentes na Conferência.

 

 

“Regulação da radiodifusão não pode mais esperar”

[Título original: Professor Lalo defende marco regulatório para a radiodifusão urgentemente]

O professor Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é autor dos livros "Atrás das câmeras – relações entre cultura, estado e televisão", "A melhor TV do mundo" e "a TV sob controle". Professor do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), é entusiasta da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (1ª Confecom) e acredita que o debate mais urgente para o evento é um marco regulatório para a radiodifusão. “Outras questões ligadas a novas tecnologias e convergência nós podemos acompanhar de acordo com o desenvolvimento da própria tecnologia”, defende, na entrevista que deu ao Boletim Confecom.

Professor, qual a importância da 1ª Confecom?
É um marco histórico para a política de comunicação do Brasil. Um debate que foi interditado durante 80 anos. O que temos hoje foi implantado no começo do rádio, na década de 20 do século passado, com a Rádio Sociedade, do Rio de Janeiro, que foi montada a partir da participação do ouvinte. No entanto, o modelo foi alterado e virou comercial. A partir daí, não houve mais nenhuma referência de modelo que não fosse esse. E os detentores desses direitos também não tiveram interesse que houvesse.

E como o debate foi finalmente fomentado?
Só através do Estado, que convocou a Confecom. O resultado mais evidente desse atraso na discussão são as seis mil propostas vindas das conferências estaduais. Isso tudo estava represado. Justo numa área tão sensível para a sociedade, que é onde circulam idéias e valores.

Há tempo para discussão nesta 1ª Confecom?
É o começo de um processo que chegou tarde. Por isso há demandas que são urgentes. Muitas dessas discussões voltarão em outras conferências, grande parte não será atendida a curto prazo. Temos que equilibrar o trabalho com duas visões: as questões urgentes e as que podem esperar mais um pouco.

E como se pode fazer essa divisão?
Existe a sensação de que algumas demandas não podem mais esperar, como o marco regulatório para a radiodifusão, que já devia ter sido decidido pelo próprio Congresso desde a Constituinte de 1988. Já as questões ligadas às novas tecnologias e convergência nós podemos acompanhar de acordo com o desenvolvimento da própria tecnologia. Assim, os marcos regulatórios necessários seriam aplicados num prazo mais longo.

É isso que a sociedade pode esperar da Confecom?
Ela pode esperar dois caminhos. Um é o tipo de resultado que apresenta medidas possíveis de serem implementadas pelo Executivo quase imediatamente. Por exemplo, a universalização do acesso de banda larga pela revitalização da Telebrás. O outro é das matérias que dependem de tramitação no Congresso. Neste caso, a função da Confecom é estimular o debate e pressionar. Estão nesse caso marco regulatório, propriedade cruzada, etc.

E como deve ser feita essa pressão?
Dentro do aspecto mais político, o grande avanço que tivemos é a presença de setores que jamais participaram deste debate, como os movimentos sociais. Aqui na conferência de São Paulo tivemos pastorais, movimentos de mulheres, movimentos comunitários. Deixou de ser uma discussão restrita aos agentes e passou também para os pacientes que sofrem os efeitos da comunicação, aqueles que têm seu cotidiano alterado por isso.

O senhor é professor. Como acha que a academia pode contribuir para o debate?
Talvez a academia, que durante muito tempo manteve um debate crítico da comunicação, tenha perdido um pouco esse protagonismo. Nossa contribuição agora foi pequena. Claro, com algumas exceções, como a UnB.

Na sua opinião, o que provocou o afastamento das universidades?
Acho que hoje há uma pressão forte do mercado sobre a universidade. Os últimos 15, 20 anos de neoliberalismo afetaram os cursos universitários, que se voltaram para a formação de profissionais já moldados para o mercado.

“Proposta da Secom é regulamentar o que já existe”

[Título original: Governo proporá na Confecom regulamentação de leis existentes}

A poucos dias da realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), marcada para os dias 14, 15, 16 e 17 deste mês, no Centro de Convenções de Brasília, o governo ainda pretende avançar no debate de algumas propostas para o setor, que serão apreciadas no evento. É o que conta ao Tele.Síntese o secretário-executivo da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Ottoni Fernandes Júnior. Ele ressalta que as propostas apresentadas pelo Poder Público até agora pedem a regulamentação e fiscalização do que já está definido na legislação, mas que ainda não foi normatizado. É o caso do tempo máximo de publicidade na TV aberta, limite de concessão de outorgas e garantia de divulgação de conteúdos regionais. E garante: o controle social da comunicação não é defendido pelo governo. Também se diz contrário a imposição de limites à internet.

Com o tema central “Comunicação: meios para a construção de direitos e de cidadania era digital”, a 1ª Confecom se desenvolverá em três eixos-temáticos: “Produção de Conteúdo”, “Meios de Distribuição” e “Cidadania: direitos e deveres”. Nas etapas regionais foram eleitos 1.680 delegados, sendo 40% representantes dos movimentos sociais, 40% das entidades empresariais e 20% do Poder Público. Outros 350 observadores de órgãos nacionais, internacionais e de pessoas da sociedade vão participar dos debates, mas sem direito a voto. Estão previstas ainda a realização de palestras sobre os eixos temáticos com o objetivo de enriquecer os debates. As propostas finais serão votadas na plenária da Confecom, marcada para o dia 17.

O receio do controle social da comunicação ainda preocupa os empresários do setor. O governo pensa em propor algo semelhante na 1ª Conferência Nacional de Comunicação?
O governo nunca propôs o controle social da comunicação. Isso não está escrito em lugar algum. Não tem uma menção a controle social. [Veja aqui as propostas do governo]

O assunto é recorrente e tem preocupado os empresários, de um modo geral.
O que nós estamos propondo é só um início de propostas. Esta semana nós vamos evoluir em algumas propostas. Nós não queremos um papel de protagonista. Achamos que esse papel é da sociedade, mas o governo não vai ficar omisso. Ele vai tomar posições. O que nós fizemos até agora, em primeiro lugar, foi um grande esforço para que as entidades empresariais, que acabaram saindo, não saíssem. O ministro (Franklin Martins) fez apelo, eu fiz apelo para Abert, ABTA, ANJ. Conversei com todas, falei que era importante os empresários participarem porque esse é um espaço de construção de uma nova proposta para o setor.

Qual a importância da participação dos empresários, já que em conferências de outras áreas eles deixaram de participar?
Embora o evento não tenha caráter legislativo, ele vai informar as decisões do Congresso, as plataformas de candidatos. Nós comentamos que era um erro os empresários saírem porque eles deixavam de influir nesse debate. Nós deixamos claro aos empresários que o governo faria um papel de ser justamente um facilitador do diálogo entre as partes, entre sociedade civil organizada e empresarial. E se for pegar o testemunho do Pauletti [Telebrasil], do César e do Flávio Lara Resende [Abra], eu acho que elas estão muito satisfeitas de terem ficado, porque estão fazendo propostas, participaram de todas as conferências estaduais. No começo, o diálogo com os movimentos sociais foi difícil. Acontece, não havia experiência entre as partes. Mas hoje o diálogo flui, busca-se o consenso. E o governo cumpriu justamente esse papel. No início ele foi o facilitador, ajudando no namoro. E hoje acho que tem um diálogo muito grande. Nas reuniões da comissão organizadora, muitas decisões que antes rachavam as partes, saem por consenso. E os empresários ganharam um espaço. Eles se organizaram nacionalmente para participar das conferências estaduais. Não teve nenhum problema nessas conferências.

Não houve resistências nos estados?
No primeiro momento, na fase preparatória, algumas comissões organizadoras estaduais queriam evitar a presença dos empresários, mas isso foi superado. Em todos os lugares saiu a representação de 40% dos empresários, 40% da sociedade civil organizada e 20% do poder público municipal e estadual. Em São Paulo, no começo, os pequenos empresários ligados aos movimentos sociais tiveram certa resistência, como Carta Capital e Vermelho. Mas houve o diálogo, se conciliaram. Então isso é uma demonstração de espírito democrático. Acho que está sendo uma grande experiência.

E as propostas a serem apresentadas na plenária nacional, como serão organizadas?
O Ministério das Comunicações contratou a Fundação Getúlio Vargas para sistematizar as propostas. Tem cerca de 6.100. Algumas, na realidade, nem são propostas, são manifestações, não têm coisas substantivas, mais adjetivas. Essas vão ser colocadas numa categoria à parte.

Como será a dinâmica dos trabalhos?
Nós vamos formar 15 grupos de trabalhos, cinco por cada eixo temático. [“Produção de Conteúdo”, “Meios de Distribuição” e “Cidadania: direitos e deveres”]

Quais são as expectativas do governo com a Confecom?
No governo Lula já foram realizadas 61 conferências e as pessoas ainda não percebem a importância delas. O próprio SUS [Sistema Único de Saúde] nasceu na oitava conferência de saúde. É uma proposta que vem da base e foi assumida pelo governo Fernando Henrique, passou pelo Congresso Nacional e hoje é considerada uma referência mundial de articulação dos três níveis de governo. Então as pessoas não estão percebendo que, embora não tenha um caráter legislativo, ela vai influir junto aos legisladores, ao Congresso. E mais, tem uma parte da conferência, posições, propostas que são aprovadas pelo plenário que vão ser objetos apenas de regulamentação, de uma portaria, de uma norma, e por isso é ruim que os empresários fiquem de fora, porque deixam de influir numa coisa que pode avançar para uma nova legislação.

Voltando às propostas do governo, em que se baseiam?
O que nós temos de propostas, principalmente da Secom, não tratam ainda das questões macro de convergência, mas sim de regulamentar e fiscalizar decisões já tomadas ou na Constituição ou no Código de Telecomunicações. Como o limite do número de outorgas [de rádio e TV], a garantia de veiculação de conteúdo regional, a produção independente, o limite de hora de publicidade nas concessões de TV. Tudo isso já está na legislação, mas ninguém controla. O que nós estamos querendo é que se defina um órgão, se a Anatel ou outro, para regulamentar isso. Quanto à questão de órgão regulador, nós ainda vamos discutir mais nesta semana com os representantes de todos os ministérios, mas a minha posição pessoal é contra qualquer tipo de órgão de controle de conteúdo naquilo que não for concessão. Nós não temos que nos meter na liberdade de imprensa dos veículos que não são concedidos. Por que a concessão de espaço eletromagnético é um bem público e precisamos garantir que a programação seja basicamente de jornalismo, entretenimento, informação cultural, limitar cultos religiosos em determinados horários. É isso que nós queremos. Um órgão que regulamente, fiscalize aquilo que já existe. Nós somos contra a qualquer tipo de controle, de fiscalização sobre a manifestação de imprensa livre.

Esse órgão pode ser a Ancine?
É uma possibilidade. Eu temo que a Ancine não tenha capacidade para cumprir essa função na TV aberta. Isso é um fator a discutir. Precisa ter um organismo. Hoje não tem. A Anatel não faz esse papel. O Ministério das Comunicações não faz esse papel. O que precisa ficar bem claro é que esse trabalho de fiscalização será feito em concessão de espaço eletromagnético e nunca sobre a qualidade do conteúdo jornalístico ou mesmo do entretenimento. Eu sou contra a baixaria na TV, por exemplo, mas acho que só a sociedade organizada pode combater isso. Acho que tem que ter a classificação indicativa dos programas, sim. Acho que é um absurdo ter propaganda de bebidas alcoólicas num horário que criança esteja vendo televisão. Acho que isso deveria também ser fiscalizado e já existe proposta do Ministério da Justiça em relação a isso. Então, essas propostas tratam do que já existe e não é regulado nem fiscalizado. E não é regulado porque não foi feito o regulamento. Tem um número grande de projetos na Câmara para regulamentar a produção independente e a produção regional, mas nada passou. Precisa organizar isso e a conferência pode fazer uma proposta de unificação deles. Depois tem um processo posterior de acompanhamento legislativo, por meio de uma comissão formada durante a Confecom, para poder avançar.

A regulamentação da internet tem sido defendida por vários empresários. Qual a posição do governo sobre esse tema?
Eu sou radicalmente contra. Acho que a proposta do marco civil da internet feita pelo Ministério da Justiça, que trata basicamente da proteção do cibercrime. O caso dos provedores, para que eles tenham condições de fazer um rastreamento para evitar pedofilia, atentados contra a segurança do país, da sociedade, campanhas odiosas, preconceitos. Sou contra qualquer tipo de outro controle.

Há um movimento, principalmente dos radiodifusores, de aplicar o artigo 222 da Constituição, que trata da propriedade dos veículos de comunicação, nos portais da internet que veiculam notícias. Você é a favor disso?
Sou contra isso. Acho que a internet tem que permanecer como um espaço liberado. É importante para diversificar. A internet tem a grande vantagem de, nesse aparente caos, refletir a sociedade nas suas múltiplas visões. É uma forma, no fundo, de democratizar a informação. Tem muito boato, tem muita lenda, mas tem informação. Não pode ter controle, é assim no mundo inteiro. Toda vez que tem uma manifestação [contra problemas na internet] a Justiça resolve. A Justiça entrou no Orkut por causa de pedofilia e outros problemas. O próprio Google forneceu as informações necessárias para identificar os autores. Então cabe à justiça intervir, por exemplo, numa manifestação sectária, contra valores constitucionais, contra as liberdades. E tem acontecido. Nós temos mecanismos para isso. Não precisa adotar limites por cima porque ai vai matar a diversidade.

E quais as perspectivas para a Confecom? Já são mais de seis mil propostas…
Eu acho que vamos chegar, depois de consolidar, a um número bem menor porque uma mesma organização, como a Telebrasil, por exemplo, entrou com propostas iguais em todas as regionais. Ao sistematizar, nós vamos organizar por eixo e uma só proposta, com pequenas variações, pode representar outras propostas. O que a FGV vai fazer é uma proposta unificadora, que vai receber um título breve e vai estar associada na internet a todas as propostas identificando o estado, a origem, e a pessoa vai poder ver todas as propostas e ver que foi atendida. Então com isso a gente acha que vai enxugar bastante. A gente acha que, com esse trabalho, chegaremos a 1.500 a 2.000 propostas, que serão levadas para os grupos de discussão, que já vão passar um filtro muito grande, antes de ir para o plenário. De tal forma que a gente leve cerca de 200 a 100 propostas para o plenário, para que possam ser discutidas e votadas.

E o que acontecerá depois? Já existe uma proposta para dar periodicidade à Confecom, como já existem para outras conferências?
Ainda não. Mas acho que devíamos seguir o modelo da saúde, que é de dois em dois anos. Mas essa é uma opinião pessoal. Vai caber ao próximo presidente ou presidenta da República definir.

“Nosso papel é negociar o máximo possível”

[Título Original: Celso Schröder acredita que Confecom influencie Congresso]

 

Celso Schröder é vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), pela qual é membro da Comissão Organizadora Nacional (CON) da 1ª Confecom. Schröder, que também é coordenador do Fórum Nacional pela Democratização da Informação (FNDC) e presidente da Federação dos Jornalistas da América Latina e do Caribe (Fepalc), em entrevista ao Boletim Confecom, deposita esperanças de que os resultados do evento sirvam de base para projetos no Congresso Nacional.

Qual a maior importância da Confecom?
Quando pensamos na Conferência, ocorreu que era preciso romper o silêncio e a invisibilidade que a comunicação tinha no país. Nossa opinião pública é moldada pelos grandes meios e fazer um debate sobre eles era fundamental. Permitir que a sociedade e os próprios meios pensem outras possibilidades; desnaturalizar um pouco o processo. Este debate já aconteceu em outros países, vários deles no pós-guerra. Aqui, não. Nem na redemocratização, uma hora propícia, nós tivemos.

Que papel a sociedade civil teve na realização da Confecom?
Ela é a grande avalista. Efetivamente, o governo tem um mérito enorme ao convocar esta primeira Conferência. Mas foi a sociedade civil que propôs e ajudou a reunir todos os agentes do processo. Ela procurou os empresários e tem se mostrado generosa, tolerante, disposta a acatar posições contrárias. Tudo sem preconceitos. Não é uma arena de disputas irresponsáveis. Aqui não haverá vencedores ou perdedores a priori. Estamos juntos para ajudar a produzir, racional e cuidadosamente, políticas para a comunicação.

E como o senhor imagina a discussão?
A partir do debate, vamos produzir uma agenda política. Vamos partir tanto do consenso quanto do agendamento do dissenso. Não sou ingênuo de achar que políticas públicas vão acontecer só pela mera realização da Conferência. Mas podemos ter vários consensos, disso não tenho dúvidas. Outras decisões podem ser tomadas por maioria também.

Quais temas devem se impor?
A questão da convergência tecnológica, sem dúvida. Podemos ter um modelo de inclusão digital inédito, mas isso tudo dependerá de um marco regulatório. Temos a possibilidade de entrada das teles, que detêm tecnologia, mas precisamos regular, se não os serviços se canibalizam. Por outro lado, simplesmente vetar a entrada dessas empresas é abrir mão da tecnologia.

Como lidar com o dilema, então?
Construir regras. Sem regras, as teles não terão nenhum compromisso preestabelecido e entrarão no mercado de forma avassaladora. Precisamos chegar a um termo em que a atuação das teles e as leis de radiodifusão se encontrem.  O modelo de negócio de comunicação hoje está em crise e as mudanças tecnológicas vieram para ficar. E se vai haver mudanças, é preferível que elas ocorram sob o controle do povo brasileiro, com regras claras.

Depois da Conferência, qual o caminho?
O governo só vai produzir políticas públicas à medida em que se sentir seguro para tal. Acho que a grande missão que temos é a de preparar a próxima Confecom. Veja bem, não é escapismo. Temos que entender que a comunicação é uma questão complexa e que nós estamos construindo para o futuro.

E qual o caminho mais imediato? Logo após a 1a Confecom?
A Confecom é deliberativa. Nosso papel é negociar o máximo possível, para que o governo depois identifique o grau de adesão em torno de determinados assuntos. E para que possamos apresentar o resultado das discussões ao Congresso, para que isso vire projetos, por exemplo.

“Banda larga pública é a pauta do futuro”

Durante o 11º Simpósio do ObservaNordeste, realizado no Recife de 25 a 27 de novembro, que tratou dentre outras coisas de mídia, poder e democracia frente os desafios da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), o editor da Revista Fórum e também ativista da comunicação livre Renato Rovai concedeu entrevista exclusiva ao Observatório do Direito à Comunicação.

Rovai, que como tantos outros atores que encamparam a disputa da comunicação como um direito está completamente envolvido na realização da 1ª Confecom, fala sobre o que ele acredita ser os principais desafios para garantir que as políticas de comunicação no Brasil trilhem o caminho da democratização depois dessa conferência.

As vésperas da realização do II Fórum de Mídia Livre, evento que também recebe intensa contribuição de Rovai, o jornalista fala das principais bandeiras de luta para os “midialivristas”, defende a banda larga pública, a internet livre, a taxação da publicidade e a redefinição dos critérios de concessões. Propõe, ainda, repensar a lógica e o modelo de negócio que envolve a informação para superar o que ele chama de “velha mídia”.

Você falou durante a sua exposição no ObservaNordeste de uma velha mídia que está em crise. Como você caracteriza essa velha mídia e como você caracteriza essa crise? E quais soluções possíveis?
Essa velha mídia que está em crise, ao meu ver, é a mídia que se organiza na lógica dos antigos meios de comunicação – como TV, jornal, revista –, mas não é isso que as torna velha mídia. O que torna essas mídias velhas é porque elas estão fundadas, alicerçadas num modelo que para mim está em crise, que é o modelo da lógica comercial, das organizações verticais, dos grandes conglomerados, de tratar a informação como mercadoria. Isto é que torna esses veículos de comunicação parte de uma velha mídia. Existe uma nova mídia em construção. Uma mídia que tem se revelado muito mais ampla e democrática, que se constrói a partir da diversidade, a partir do compartilhamento, na lógica da gratuidade, inclusive da solidariedade, da contribuição, do diálogo e da troca. Isso é o que caracteriza grande mídia. Pode até haver um protagonista principal, mas não é esse protagonista principal que o tempo todo pauta o debate. Em muitos momentos, na prática do bloguismo, um comentário gera uma pauta. No diálogo, na troca que caracteriza a nova mídia, há participantes também que acabam se tornando blogueiros naquele processo. A nova mídia é uma mídia na qual aquela velha lógica formal do emissor-receptor está condenada a ser esvaziada. Não é que não vai existir pessoas que se destacam. Isso vai existir, mas já é um modelo diferente. Os jornalista considerados grandes comentaristas políticos ou então especializados dos chamados jornalões, dos veículos tradicionais, essas pessoas não conseguiram, não foi imediatoelas montarem seu bolg e passarem a estarem em portais. Muitos deles sumiram, tentaram marchar nessa área, viram que não tinham condições de fazê-lo porque estão acostumados com o palanque nos quais eles falam sozinhos.

Qual a saída para esta nova mídia superar a velha mídia?
A saída é impedir que a internet ou os novos veículos de comunicação sejam controlado. Isso vale para todas as novas tecnologias – o celular, por exemplo, que vai se tornar mais convergente do que o computador –, mas falo a internet porque ela é a forma pela qual a informação chega ao celular. Temos que garantir que esse espaço se mantenha plural, que não seja interditado, que não exista controle. Por um lado é isso, e por outro lado é garantir que esse acesso chegue à casa do maior número de pessoas, na casa de todos os cidadãos e que eles possam dispor da comunicação como dispõem e tem acesso à água, à alimentação, á saúde – ou como deveriam ter. É aí, eu acho, que se realiza o direito humano à comunicação. No momento em que essa pessoa tem isso ao dispor, não só para ser receptor, mas para ser produtor de comunicação. Você vai ter linguagens que nunca tiveram espaço para reverberar podendo ter sua oportunidade. É um espaço muito maior, que não tem restrição. Daí vai ter o blog do menino da favela, da cozinheira, da pessoa que trabalha com a construção civil e fazendo suas coisas, mostrando suas estórias. De certa forma, a gente já vê isso no YouTube. Não necessariamente o vídeo que está na imprensa é o vídeo mais acessado do YouTube. As vezes é até o contrário: a mídia tradicional é que vai dar destaque a vídeos que estão no YouTube.

Então, nessa lógica, você não veria como problemática, por exemplo, a medida que vem tomando grandes grupos como o News Corp., do magnata Rupert Murdoch, de restringir informações em sites de busca como o Google, medida esta que está sendo seguida por outros grupos, inclusive aqui no Brasil…
Olha, eu posso estar enganado, você me cobre daqui um ano, mas eu acho que não vai dar em nada. É impossível restringir esse tipo de acesso. Isso me parece uma reação muito semelhante à reação do mercado fonográfico, que quis impedir a distribuição de músicas. Ninguém respeita isso. As pessoas pegam e já baixam da internet e hoje ninguém mais compra CD. Tá uma crise no mercado porque eles trabalham com o direito do autor, que é uma lógica também do velho mundo. O que é mais engraçado é que você vê gente de esquerda defendendo esses valores que são da orbita do capitalismo. Eles não estão se dando conta de que estão defendendo o que há de mais essencial da dinâmica capitalista, da lógica da informação como mercadoria. Se você quer exigir o cumprimento do direito autoral você está defendendo a lógica capitalista da informação como mercadoria. Quando se diz “isso aqui não pode ser compartilhado e deve ser vendido”, reforça-se também essa lógica. Eu entendo completamente a lógica do Murdoch, ele está querendo defender o seu negócio, mas em geral isso não deu certo até hoje na internet. Pode até dançar o Google, como dançaram com alguns outros buscadores de música. Mas o pessoal inventa outros dez no mesmo dia e resolve a questão. Eles vão usar outros buscadores que não estão impedidos de fazer aquilo e pronto. Eu duvido que dê certo. Eles vão ter que procurar outra estratégia, porque está óbvio que não é assim que vão resolver esse problema.

Para quem acompanha a área da comunicação, está posto que a blogosfera trouxe mudança no acesso à informação. Contudo o acesso à internet ainda é muito limitado. Mas será que dá para falar de democracia com essa nova onda da blogosfera tendo a realidade indo pouco mais além da classe média?
Uma pesquisa recente, fetica em um universo de mais de duas mil pessoas, quase uma pesquisa presidencial, mostra que, ainda sendo pequeno o acesso, os blogs e sites de informação já são a segunda maneira que as pessoas usam prioritariamente para se informar. Mesmo com restrição ao acesso. Eu não estou dizendo que não é restrito, mas hoje, por exemplo, a minha mãe que tem 70 anos fica mais tempo na frente da internet do que da televisão. Ela foi conquistada pela possibilidade de trocar. Ela descobriu que na relação com o computador ela não é só passiva. Mesmo no âmbito das redes sociais… Tem uma coisa que as pessoas desprezam completamente que a necessidade das pessoas contarem suas estórias pessoais. Algumas pessoas acham que tem que proibir o Orkut. Qual o problema de as pessoas estarem no Orkut? As pessoas estão no Orkut e estão criando suas redes. Para minha mãe é importante, por exemplo, falar da história da família dela e ela fica ali fazendo seu álbum de família para deixar para o netos. O que também era feito um tempo atrás, mas sem esse mecanismo das redes sociais, das fotos digitais. Os jovens usam para construir sua rede de relacionamento, para deixar recados, falar de suas vidas, para contar o que aconteceu ontem no barzinho, na festa. Até as redes sociais tem uma importância muito grande da necessidade que as pessoas têm e falar sobre elas mesmas. Se a pessoa é jovem, depois dos 20, se ela não tem acesso em casa, ela tem no trabalho. Se não tem no trabalho, tem na lanhouse no bairro, na escola, na faculdade. Em algum lugar, ela tem um lugar onde pode acessar informação, fazer seu currículo.

Com relação à democratização do acesso à internet, a banda larga pública seria a solução?
Não tenho dúvida que seria. Hoje, você tem banda larga em apenas 6% no Brasil. Não é quase nada. Precisa ampliar. As próprias teles (empresas de telecomunicações) colocam como um desafio ter 75% das famílias com acesso à internet até 2014. Eles elencam uma série de necessidades que teriam para executar esse plano. Eles mesmos reconhecem que é um número ridículo de pessoas no Brasil que têm esse acesso à internet rápida. Sem falar que a banda larga no Brasil não é banda larga, é bandinha larga… Ela tem uma quantidade/velocidade muito pequena com relação a outros países. Acho que tem que garantir que isso seja encarado como um direito para que haja também a necessidade de o Estado garantir a essa pessoas a dimensão total desses direitos.

O Fórum de Mídia Livre está para realizar a sua segunda edição no próximo fim de semana (4 a 6 de dezembro, em Vitória). O que vocês pretendem discutir e quais as principais pautas do FML para defender na Conferência?
Tem muitas pautas. Eu tenho muita dificuldade de pensar as coisas assim elencadas, porque cada comunidade, cada espaço tem as suas prioridades. Cada comunidade tem suas especificidades. Eu acredito que a gente tem que criar algumas propostas-chave e eu tenho defendido que seja a banda larga para todos, porque a banda larga para todos serve para a luta de todos, serve ao movimento de gênero, à questão racial, às rádios comunitárias. Já dei exemplo de como as rádios comunitárias podem usar isso para sair do isolamento como, por exemplo, ter um site para todas as rádios comunitárias do Brasil. Na qual as pessoas possam acessar e conhecer as rádios comunitárias das suas cidades. Para as TVs comunitárias idem. A banda larga define essa dimensão do “para todos”. Acho que é a única bandeira que deve ser encampada por todos. Acho que ela tem esse potencial.

A multiplicação das demandas e das pautas não pode ser um problema?
Com relação a isso, eu acho que o formato do Fórum Social Mundial é interessante. Porque todas as pautas são validadas, todas as lutas são validades, todos os processos são validados, mas alguns ganham, naturalmente, protagonismo maior. Se a gente tentar fazer consenso em uma só pauta, vai dar um pau danado e não vai se chegar a lugar nenhum. Algumas pautas já estão tendo protagonismo, como por exemplo, a pauta das concessões. Deve-se discutir como que o uso do espaço que é de todos seja mais público e menos privado. Quando se fala de regulação dos espaços de concessões é para garantir que esses espaços façam uma comunicação de interesse público maior. Essa já é uma pauta que tem seu protagonismo. Tem pautas que vão ter uma enorme solidariedade das pessoas da sociedade civil, que são as questões relacionadas às rádios comunitárias, por exemplo. Eu costumo dizer que eles são o movimento sem terra da sociedade civil da comunicação. Eles que estão na ponta, lutando, batalhando e levando porrada. Hoje mesmo (a entrevista foi realizada em 26/11), o companheiro Jerry das rádios comunitárias de São Paulo está sendo preso e Hortolândia. Tem um movimento na internet para soltar o Jerry. (Jerry Alexandre é coordenador da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias em São Paulo e foi preso naquele dia com outros comunicadores comunitários pela Polícia Civil, que inclusive não tem prerrogativas para fazer este tipo de ação.)

Mas o que você acredita ser possível ser construído um consenso e sair do papel depois dessa Confecom?
É possível criar uma agenda positiva. Talvez o termo não seja o melhor. Com agenda positiva, eu só consigo pensar em algo com a participação de todos os segmentos. O que dá para “colar” com esses segmentos que estão na mesa? O que dá para ser consenso e sair como um discurso de todos? Porque o que sair assim o governo vai ser obrigado a encaminhar. Banda larga pública e gratuita não vai dar para ser um consenso, tem que ser uma pauta nossa de resistência, de luta. Eu fiz um debate com os empresários em São Paulo, durante a etapa estadual da Confecom lá, e eles topam a instalação e ampliação, por exemplo, do Conselho de Comunicação Social em todos os níveis. Eu acho que isso tem ser um consenso e sair quem sabe como grito de guerra dessa conferência. Se é consenso que o conselho tem que funcionar, o governo deve estar lá e garantir a instalação do conselho para daqui a três semanas. Esses empresários que estão ai são a favor da quebra do monopólio, por exemplo, das tevês pagas, que é capitaneada pela TV Globo. Eles não vêem problema nenhum, ao contrário, vêem até com bons olhos a quebra do monopólio da distribuição de periódicos no Brasil por parte da Editora Abril ou a democratização das verbas da publicidade. Essa foi uma das pautas que a gente colocou na mesa e a Band já falou que quer fazer esse debate e as teles são solidárias. Você imagina que você usa o espaço público concessionado pelo Estado e pela sociedade para fins comerciais sem pagar nada para a democratização e diversificação das comunicações do seu país! Não te parece uma coisa meio estranha? Eu estou tirando proveito de algo que não é meu, que é um serviço público e não estou dando nada em troca. É preciso discutir isso também. Tem várias formas. Na Alemanha, por exemplo, parece que anualmente você tem que entregar um planejamento de como o teu canal vai funcionar no ano seguinte para que seja liberada a exploração daquele serviço. Isso é discutido dentro de um conselho e tal. Mas eu sei que nisso, por exemplo, também não vai haver consenso. Tem muitas pautas. Eu acho difícil a gente grifar algumas e tentar trabalhar só com elas.