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Lei da Mídia Democrática: um passo rumo à pluralidade

O Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática foi lançado nacionalmente, nesta quinta-feira, na Câmara dos Deputados, durante ato que contou com a participação de cerca de cinquenta organizações da sociedade civil organizada, dentre as quais movimentos sociais e sindicatos; mais de uma dezena de parlamentares; artistas; intelectuais e ativistas. A reunião de tantos segmentos em torno da proposta mostra a urgência de pôr fim à concentração midiática no Brasil, situação que historicamente marca o sistema de comunicações deste país e que tem resultado em violação de direitos e cerceamento de liberdades.

Quando o cantor, compositor e instrumentista Sergival recitou o Cordel da Regulamentação da Comunicação, logo na abertura do ato, ficou claro o que se pretende com a nova lei: multiplicar os sotaques que circulam pelas ondas do rádio e da TV; expressar toda a diversidade cultural que enriquece o país, mas que é tantas vezes silenciada pela mídia. A expectativa é que a nova legislação seja capaz de promover a liberdade de expressão e o direito humano à comunicação, respeitando e garantindo a diversidade e a pluralidade na mídia, princípios já previstos na Constituição Federal de 1988, mas ainda não assegurados, devido à ausência de regulamentação dos artigos que tratam do tema.

Importante destacar que a elaboração deste projeto de lei resulta de um acúmulo de debates realizados por, pelo menos 20 anos. É mais um passo de uma história que teve inúmeros capítulos, dentre eles o largo processo participativo no campo das comunicações que envolveu diferentes grupos de interesse (empresariado, sociedade civil, poder público): a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em 2009. Bastante lembrada no ato de hoje, a 1ª Confecom não só fortaleceu e ampliou o debate sobre liberdade de expressão, direito humano à comunicação e regulação do setor, como produziu mais de 600 propostas de leis e políticas públicas que objetivavam tornar o sistema mais diverso e, com isso, contribuir para o aprofundamento e a consolidação da democracia brasileira.

Além disso, as propostas aprovadas na Conferência e contidas no Projeto de Lei também buscam tornar o marco político e normativo das comunicações atualizado em relação às mudanças tecnológicas e políticas pelas quais o Brasil passou ao longo das últimas décadas. Como lembrou a coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Rosane Bertotti, “A legislação (de comunicação) tem mais de 50 anos. Vivemos em um outro momento de democracia que precisa respeitar o direito dos negros, das mulheres dos índios, do povo do campo, das favelas. É preciso repensar essa estrutura de comunicação”.

Não há mais o que esperar. Colocar este projeto na rua para que, atingidas as assinaturas necessárias, passe a tramitar como um Projeto de Lei devidamente registrado no Congresso Nacional e, quem sabe, venha a ser aprovada a proposta é ver atendida a reivindicação por uma nova regulação para as comunicações brasileiras que vem da Assembleia Nacional Constituinte, da 1ª Confecom, das diversas plenárias da sociedade civil organizada, dos movimentos negros, de mulheres e em defesa dos direitos humanos. E mais do que isso: é promover uma mudança radicalmente positiva em um sistema tão marcado pela concentração e pelo autoritarismo. Um setor em que, a despeito dos mais de 20 anos da chamada Constituição Cidadã, a democracia ainda não chegou.

* Cecília Bizerra Sousa é jornalista, integrante do Intervozes, mestranda do Programa de Pós Graduação em Comunicação na Universidade de Brasília e Analista Técnica de Políticas Sociais da Seppir

Deputados são pressionados por operadoras de telecom para acabar com a Internet livre

O projeto de lei (PL), que prevê a criação do Marco Civil da Internet (2.126/2011), foi apresentado pelo governo federal como umas das principais respostas às denúncias de que o governo dos Estados Unidos teria montado um esquema de espionagem que incluiria a interceptação de dados em diversos países, inclusive no Brasil.

No entanto, a disputa em torno do PL do Marco Civil vai além das questões de espionagem. O lobby das empresas de telecomunicações – que são, inclusive, acusadas de participar do esquema de monitoramento do governo americano – pretende acabar com o modelo de Internet historicamente constituído e consolidado, sobretudo, nos acessos fixos.

Internet livre, neste caso, significa que os usuários têm direito a contratar o serviço, podendo navegar à vontade na velocidade que escolheram, sem nenhum tipo de interferência ou limitador. Essa garantia ficou conhecida como “neutralidade de rede”. Ou seja, a rede não deve dar tratamento diferenciado a ninguém.

Fazendo um paralelo com uma estrada, a operadora estaria proibida de cobrar pedágio de uns e não de outros. Pois é exatamente o que propõem as empresas de telecomunicações. Elas querem ter total controle sobre o tipo de conteúdo que trafega na Internet. Isso atenta contra uma característica fundamental da rede, coloca o poder de escolha do acesso nas mãos das operadoras e traz dois tipos de prejuízos.

O primeiro é mais direto para o usuário. Seriam criadas “classes” de clientes conforme um volume de dados, não pela velocidade. Quem usar mais (para baixar músicas, vídeos) paga mais. Os pacotes mais baratos (e mais acessíveis à grande maioria dos internautas) teriam poucos aplicativos, e-mails e acesso a sites, entre outras coisas. Seria como fazer da Internet uma TV a Cabo, você conseguiria acessar o que o seu poder aquisitivo permitir.

Além disso, a criação de “franquias de dados” poderia fazer com que as empresas de infraestrutura segurassem investimentos. Quando a rede estiver saturada, a velocidade cai. Esse modelo freia o desenvolvimento do país. Em um cenário no qual a empresa tem que assegurar o tráfego em uma velocidade contratada, sem limite de dados, ela precisa ampliar a rede para poder vender mais pacotes. Isso evita o risco de “apagões” e melhora a qualidade do serviço.

Essa mudança patrocinada pelas operadoras feriria o princípio de que o direito de escolha do que acessar é do usuário. Poderia, ainda, trazer aumento do preço dos pacotes com mais capacidade de uso. O Brasil iria na contramão do mundo, que caminha para assegurar um acesso na web cada vez maior e com mais velocidade.

O segundo prejuízo é para a democracia. As operadoras poderiam discriminar os sites, facilitando a visualização de uns em detrimento de outros. Com isso, os grandes conglomerados de mídia, que tivessem dinheiro para fazer acordos com as empresas de telecomunicação, teriam acesso “facilitado”. Por exemplo: a pessoa preferiria acessar o portal Terra, e não um blog, porque o primeiro demoraria menos tempo para baixar. Ou optaria pelo Gmail, e não por um provedor local, porque o primeiro seria mais rápido.

As empresas de telecomunicação pressionam agora o governo e os parlamentares para incluir a franquia de dados no artigo 9º do substitutivo do deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator da matéria. Querem colocar uma garantia de mercado em algo que deveria ser a carta de princípios da Internet no país. Com o modelo de negócios, ameaçam a Internet em um de seus pilares mais fundamentais. E avançam sobre o controle da rede, o que, como as denúncias de Edward Snowden já mostraram, abre espaço para a invasão da privacidade dos usuários.

Enquanto isso, a campanha 'Banda Larga é um Direito Seu' cobra do governo, do relator e de deputados a necessidade de assegurar a neutralidade de rede no texto que vai à votação. Uma luta difícil e que precisa do apoio de quem quer continuar a acessar a Rede Mundial de Computadores sem ter que pagar pedágios (visíveis ou não).

Quer saber como começar? Divulgue que a nossa Internet está em risco. E cobre do seu parlamentar o apoio ao Marco Civil com a neutralidade de rede.

* Jonas Valente é membro do Conselho Diretor do Intervozes e mestre em Comunicação Social

Ganância dos empresários da mídia destrói o rádio

Há algumas semanas, o Ministério das Comunicações lançou uma portaria (197) corrigindo alguns problemas técnicos da péssima regulamentação da já ruim lei de Rádios Comunitárias (9.612 de 1998). A portaria só coloca no papel pequenas e urgentes correções de situações absurdas que as normas anteriores ignoravam, cujas alterações a migração para o rádio digital mostrou inevitáveis.

A primeira delas é o uso de uma outra frequência para o caso de haver interferência entre duas emissoras. Se hoje o que acontece é a famosa linha cruzada, num sistema digital o resultado seria um "apagão das rádios comunitárias".

Segundo ponto é o alcance das emissoras de baixa potência. Todos sabem que um transmissor de 25 watts (potência máxima para as comunitárias no Brasil) leva o sinal a mais que 3 km, mesmo assim a regulamentação anterior inventava um limite ilusório de mil metros. Os testes do rádio digital só reforçaram a complicação que esta definição trazia para o funcionamento das rádios comunitárias.

O último ponto é a previsão de que o governo possa fazer "apoio cultural" (anúncio não comercial) nas comunitárias.  Assim como o comércio local já faz, as empresas públicas poderiam veicular mensagens institucionais, além de ministérios e secretarias divulgarem campanhas de utilidade pública. Nada mais natural permitir que o poder público possa transmitir informações ao cidadão por todos o canais possíveis: rádios comerciais, públicas e comunitárias.

São alterações urgentes e pequenas em relação ao que precisa mudar para a garantia do direito humano à comunicação.  Mesmo assim, as empresas de mídia foram reclamar ao ministro das Comunicações.  Isso mostra que ainda entendem as rádios comunitárias como concorrência e não como um complemento da comunicação como diz a constituição.  Pensam que matando as comunitárias seriam beneficiados, pois enxergam a comunicação como um negócio e a audiência como um produto a ser vendido para os anunciantes.

Além de uma postura conservadora, mostram uma incompetência gerencial que pode resultar na morte do rádio enquando meio de comunicação de massa. Isso porque, desconhecem a "economia de rede", muito utilizada na internet, segundo a qual quanto mais pessoas estiverem usando um determinado serviço, mais valor este possui.

Liberdade de expressão se garante com democracia na comunicação.  Hoje as comunitárias são a maioria das rádios no Brasil. Já passou da hora do governo criar uma política pública que possibilite o funcionamento dessas emissoras. O sucesso do rádio digital, da radiodifusão e da democracia no Brasil depende disso.

Arthur William é representante no Brasil da Associação Mundial de Rádios Comunitárias

Proposição do CCS pode restringir direito de resposta

Desde 2009, quando a Lei de Imprensa foi considerada incompatível com a Constituição Federal, o direito de resposta nos meios de comunicação está sem regulamentação. Quatro anos depois, está na ordem do dia do Senado Federal um projeto que pode regulamentar este direito fundamental, previsto no artigo 5º da Constituição. O projeto 141/2011, do senador Roberto Requião (PMDB-PR), define as condições, prazos e trâmites para aplicação do direito. Contudo, o relatório aprovado pelo Conselho de Comunicação Social (CCS), na última semana, propõe uma modificação no texto que pode restringir a aplicação do direito e aumentar a judicialização nos casos de ofensa.

A polêmica diz respeito aos casos que justificam a aplicação do direito de resposta. De acordo com a última versão do texto – o substitutivo preparado pelo senador Pedro Taques (PDT-MT) – a lei vale para todos os casos em que houver ofensa. Na proposta feita pelo CCS, que atua como órgão auxiliar do Senado, o direito de resposta se limita aos casos em que houver fato errôneo ou inverídico. A justificativa para essa limitação é que, se o direito de resposta for mantido de forma ampla, pode gerar um efeito de ‘esfriamento do discurso’, ou seja, pode fazer com que jornalistas evitem publicar textos que possam ser considerados ofensivos, o que poderia diminuir as críticas públicas.

A preocupação é pertinente, mas a solução encontrada é uma opção ruim, por vários motivos:

1) A Convenção Americana de Direitos Humanos aponta o direito de resposta como mais amplo do que os casos de fatos e acusações falsas. Diz o artigo 14: "Toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas, emitidas em seu prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral, tem direito a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua retificação ou resposta, nas condições que estabeleça a lei".

2) O direito de resposta precisa ser visto como uma AMPLIAÇÃO da liberdade de expressão, e não como uma limitação. Claro que há riscos de esfriamento do discurso, mas sua aplicação pode e deve servir para ampliar o debate de ideias e reequilibrar uma situação assimétrica de poder.

3) A melhor solução para evitar o esfriamento do discurso estaria na retomada da formulação original do artigo 8º do PLS 141, que listava uma série de exceções, evitando o abuso no uso do direito, especialmente por membros do Executivo, Legislativo e Judiciário, além de resguardar as críticas literária, teatral, artística, científica ou desportiva.

4) A noção de direito de resposta no Brasil é inspirada na tradição francesa e portuguesa, mais abrangentes do que a de outros países, como Espanha e Alemanha, que limitam o direito à retificação no caso de erros.

5) O direito de resposta pode ser uma solução justa e não financeira para queixas de difamação. Vários jornalistas sérios apontam que um mecanismo de direito de resposta bem aplicado poderia impedir vários processos civis cuja saída se torna a indenização financeira. A proposta apresentada pelo Conselho de Comunicação Social faz com que o único caminho para responder a ofensas seja o trâmite normal da justiça, que pode demorar décadas.

6) A formulação ampla do direito de resposta tem sido defendida por vários juristas no Brasil e foi chancelada pelo ministro Celso de Mello em decisão sobre a ação cautelar 2695 no Supremo Tribunal Federal. Nessa ação, inclusive, o ministro do Supremo Tribunal Federal defende que o direito de resposta deve ser entendido também como um direito difuso, o que o projeto do Senado não contempla.

As emissoras alegam que uma conceituação aberta de direito de resposta poderia afetar a liberdade de expressão, mas a definição vigente até 2009 (antes da derrubada da Lei de Imprensa) era aberta e o resultado nunca foi abusivo. Ao contrário, o que se via era uma enorme dificuldade de aplicação deste direito, com vários casos em que o trâmite jurídico demorava mais de uma década.

Os senadores precisam refletir sobre qual dos caminhos postos ampliam a liberdade de expressão. Ao que parece, a solução proposta pelo CCS promove garantias excessivas para os grandes veículos e retira do cidadão comum um direito que a Constituição lhe garante.


João Brant é membro do Intervozes e doutorando em Ciência Política na Universidade de São Paulo.

O abandono das políticas locais de comunicação

No final de agosto, completa um ano da realização do #ComunicaDF – 1° Seminário de Comunicação Pública do Distrito Federal. Idealizado em 2011 por entidades da sociedade civil de Brasília, em diálogo com o governo do Distrito Federal, o seminário teve como objetivo construir conjuntamente uma pauta de políticas públicas de comunicação a serem adotadas pelo Governo do DF (GDF).

Mesmo com dificuldades de diálogo entre as partes e adiamentos consecutivos para a realização do evento, o #ComunicaDF foi um marco na luta por políticas públicas locais de comunicação. Mais do que um simples seminário, ele foi um espaço de pactuação entre o governo e a sociedade, incluindo empresários do setor, que juntos definiram doze políticas prioritárias a serem adotadas pela administração pública.

Entre elas, a criação do Conselho Distrital de Comunicação e espaços participativos de discussão; o fortalecimento da Secretaria de Comunicação do DF; a criação de um sistema público de comunicação; o investimento em centros comunitários de produção de mídia; a universalização do acesso à internet no Distrito Federal; a revitalização do polo de cinema; a criação de um fundo público para a comunicação; a valorização da educomunicação; e a promoção da diversidade e pluralidade da mídia local.

A sociedade civil acreditava que, ao menos, a promessa feita pelo governador Agnelo Queiroz (PT) na abertura do #ComunicaDF se efetivaria: a instalação do Conselho Distrital de Comunicação, órgão já previsto na Lei Orgânica do Distrito Federal. Com a pressão das entidades, o projeto de criação do Conselho foi colocado em consulta pública entre dezembro de 2012 e janeiro deste ano. A consulta recebeu mais de 200 contribuições. O governo Agnelo, no entanto, colocou o projeto na gaveta, fechou-se ao debate público e ignorou todo o esforço feito na construção das políticas locais de comunicação.

Em março, o comando da Secretaria de Comunicação do DF foi trocado e a missão colocada em prática foi voltar a estrutura do órgão para a reeleição do governador. A equipe responsável pelas políticas de comunicação foi desmantelada, pondo fim ao diálogo com a sociedade civil. E o atual secretário, Ugo Braga, afirmou, sem nenhum pudor, que não é mais responsabilidade de sua pasta cuidar de políticas públicas de comunicação. A frase é tão absurda quanto ouvir de um secretário de Cultura que ele não é responsável pelas políticas públicas para a cultura.

Infelizmente, o Governo do Distrito Federal não é exceção. Em todo o Brasil, são pouquíssimos os exemplos de governos locais que entendem que a comunicação não é uma máquina de propaganda. A descontinuidade e falta de compromisso de gestores públicos com as demandas populares, aliadas à falta de estrutura institucional sólida para o desenvolvimento de políticas no setor, impedem que a comunicação seja tratada como um direito do cidadão e se transforme em um fator de mudança social e fortalecimento da democracia.

No restante de seu mandato, Agnelo Queiroz tem duas opções: continuar com a visão de que a comunicação é somente uma política de propaganda voltada aos grandes veículos ou entender que o poder público também é responsável por garantir o direito à comunicação da população. Enquanto o governo não se decide, após um ano da realização do #ComunicaDF, a população do Distrito Federal continua sem nada a comemorar.

* Gésio Passos é jornalista, membro da Coordenação Executiva do Intervozes e editor do Observatório do Direito à Comunicação.